Tribunal arquiva queixa contra João Granja e reconhece ‘Praça do Município’ como espaço legítimo de “debate plural”

O Juízo de Instrução Criminal de Braga decidiu, a 18 de novembro de 2025, não levar a julgamento o comentador e dirigente político João Granja, determinando o arquivamento da queixa-crime apresentada por Ricardo Gomes. A Juíza de Direito concluiu que não existem indícios suficientes para uma condenação, enquadrando as declarações do arguido no exercício legítimo da liberdade de expressão.
Um dos pilares fundamentais da decisão reside no reconhecimento da natureza do programa onde as declarações foram proferidas. O Tribunal valida o ‘Praça do Município’, da RUM, descrevendo-o no despacho como um “espaço vocacionado para o debate plural de temas da atualidade e de interesse comunitário”. Para a magistrada, foi neste contexto de “escrutínio público” que o comentário ocorreu, afastando a tese de ataque pessoal defendida pela acusação.
O primado da liberdade de expressão
O caso teve origem em comentários proferidos a 25 de maio de 2024 sobre a polémica dos bilhetes falsos na Rampa da Falperra, nos quais João Granja associou o então diretor de comunicação da Câmara, Ricardo Gomes, às suspeitas levantadas pelas autoridades. Na fundamentação, a juíza é perentória ao afirmar que “numa sociedade atual, moderna e saudavelmente respeitadora de direitos, a liberdade de expressão não está ao mesmo nível da defesa da honra”, classificando a primeira como um “direito charneira na organização de uma sociedade”.
O despacho sublinha que Ricardo Gomes, enquanto figura com responsabilidades públicas, estava “inevitável e conscientemente exposto ao escrutínio minucioso dos seus atos”, pelo que “os limites das críticas aceitáveis [são] mais amplos”. O tribunal sustenta que, em matérias de interesse geral, “pouco espaço há para as restrições à liberdade de expressão”.
Crítica “grosseira” não é crime
Embora o tribunal reconheça que as expressões utilizadas por João Granja possam ter sido “grosseiras e desagradáveis”, a decisão conclui que estas não foram “desproporcionadas à discussão mais acesa do ato controverso”. A magistrada reforça que o arguido se limitou a “transmitir informação que reputava de manifesto interesse público”, recordando que “uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor”.
Justiça não serve para “silenciar adversários”
A decisão instrutória deixa ainda um alerta sobre o uso dos tribunais no combate político. A juíza escreve que a tutela penal da honra tem vindo a ser utilizada “como forma de obviar à crítica, de silenciar adversários, de atingir objetivos pessoais ou institucionais sem o incómodo da crítica”. O despacho critica esta prática como uma “insidiosa forma de intimidação” destinada a provocar um “efeito de arrefecimento de condutas” (chilling effect).
Concluindo que a conduta de João Granja não merece censura penal e que “não sendo provável a condenação do arguido em sede de julgamento, mas antes a sua absolvição”, o tribunal decidiu pela não pronúncia. As custas do processo ficaram a cargo do assistente, Ricardo Gomes.
