Cultura 25.01.2025 16H51
Arquivo Municipal de Braga é uma máquina do tempo que se adapta ao Digital
Município está a investir na transição de todo o acervo do Arquivo para o digital, tornando a documentação acessível a todos os bracarenses.
O Arquivo Municipal de Braga ganhou uma nova morada, desde 18 de janeiro, passando a integrar o Centro Cultural Francisco Sanches, no coração da freguesia de S. Victor.
São mais de sete quilómetros de documentos. Fotografias que registam a visita de Salazar a Braga, em 1966, um pergaminho, de 1297, que retrata uma doação que cabido de Braga fez a um bracarense e à esposa de 18 palmos de terra na crasta nova, uma carta de D. João I ou uma bula do Papa Inocêncio XI aos vassalos da Igreja de Braga, de 1676. Estes são apenas alguns exemplos da história que mora no Arquivo Municipal de Braga. Ali, quase todas as salas contam história, de pessoas, de empresas e do município de Braga.
O documento mais antigo data do século XII. Trata-se de um fragmento de um códice, ligado à festa de S.Geraldo.
O Arquivo Municipal está organizado em três áreas distintas: uma dedicada ao cidadão que pode aceder a todo o património arquivístico e à informação que desejar; uma zona de trabalho técnico e o espaço de maior dimensão em volume, que é a zona dos depósitos.
Porfírio Correia, diretor do departamento cultural, guia-nos nesta visita ao local onde estão guardados alguns dos maiores segredos de Braga.
“Todos os depósitos são espaços onde controlamos as condições ambientais. Há dois fatores que influenciam a longevidade dos suportes, seja papel, pergaminho ou o negativo: a temperatura e humidade do ar", explicou o responsável.
Os 18 depósitos do Arquivo têm capacidade para armazenar cerca de dez quilómetros de documentação
De todos os espaços há um de maior relevância, que é o depósito onde se guarda “a documentação de maior valor patrimonial, como os pergaminhos e os códices, alguns desde o século XII”. Nos corredores do depósito encontramos, por exemplo, um pergaminho, “do século XV, que é uma carta régia do rei D. Afonso IV”. Na gaveta seguinte, desencanta-se um códice, um avanço do rolo de pergaminho, que gradativamente substituiu este último como suporte da escrita. “É um fragmento de um livro existente, no caso, um livro que pertencia à coleção de um mosteiro ou de um convento, de canto gregoriano, que foi o recortado e que serviu de capa aos livros das atas das vereações”, acrescentou Porfírio Correia.
Os livros, com corte superior e inferior em tons de magenta, não escondem as marcas dos séculos que passaram por eles. Ali, constam todas “as propriedades e bens que a Casa do Senado/Câmara Municipal detinha no século XVIII”. “A partir destes livros e de um elemento simbólico foi desenvolvido aquilo que é a identidade visual do arquivo”, acrescentou o diretor.
Naqueles corredores constam também “obras que resultam daquilo que é a atividade do município desde a sua existência”. “Foram acondicionados em volumes, no caso, as cartas régias, os alvarás régios e outros documentos que retratam aquilo que é a própria evolução do município ao longo dos séculos XV, XVI e XVII”.
O espólio do mestre Veiga, composto por mais de 900 peças, também ali está. José Ferraz Gomes Veiga foi um artista que dedicou a sua obra à cidade de Braga, cidade onde nasceu há precisamente 100 anos, em 18 de novembro de 1925. Durante meio século, foi o responsável pela decoração dos arruados das Festas Joaninas e das Solenidades da Semana Santa, tendo os cartazes e os anúncios ficado a dever-se à sua mão. Também estes cartazes estão agora no Arquivo Municipal. “Temos os seus próprios orçamentos, os catálogos que eram produzidos e os esboços”, acrescentou Porfírio Correia.
Arquivo guarda 200 mil negativos de fotografias que ajudam a contar a história da cidade e dos bracarenses
Mais à frente, entramos no depósito dedicado ao Urbanismo. Aqui, estão “todos os processos de licenciamento de obras particulares que decorreram na área geográfica do município de Braga”. “São cerca de três quilómetros e meio em que temos todos os processos de licenciamento de habitações, moradias e outras infraestruturas, desde 1926, quando esses documentos eram ainda muito simples, baseados quase num requerimento, numa informação técnica e uma notificação”, explicou o responsável. Além disso, logo ao lado, consta a documentação produzida pelo município, ao longo da sua atividade e história, como o direito à habitação, à água pública e a outros bens.
A sala onde se encontra o arquivo das fotografias tem um odor característico. Ali estão cerca de 200 mil negativos do arquivo do estúdio de fotografia Aliança, que funcionou na cidade entre 1910 e 1980, e do arquivo da Casa Pelicano, em atividade entre cerca de 1930 e 1990. “Os negativos retratam aquilo que eram os momentos festivos da cidade e das famílias, como o nascimento, o casamento, as festas religiosas e até a própria morte”, disse Porfírio. “Contamos, ao longo dos próximos anos, digitalizar de forma massiva e poder devolver este património aos cidadãos, para poderem reconstruir a própria história familiar e da evolução urbana da cidade”, acrescentou.
A partir do número original do negativo, que está associado a um livro de registos, é possível perceber quem pediu o retrato, qual era a encomenda ou quanto custou.
Arquivo digital começa a disponibilizar documentos e fotografias online a partir de abril
A digitalização de todo o acervo é uma ambição do Arquivo Municipal de Braga e os primeiros documentos digitalizados vão começar a ser disponibilizados ao público, a partir do primeiro trimestre deste ano. No entanto, este não é um processo simples. “É necessário fazer o tratamento e higienização, depois a digitalização do negativo e, além disso, é necessário fazer o registo descritivo imagem. O Arquivo Municipal tem uma dimensão superior a sete quilómetros de documentação, ou seja, é um trabalho progressivo”, afirmou o diretor do departamento de Cultura na Câmara de Braga. No entanto, o novo espaço conta já com uma sala dedicada à digitalização do acervo, com máquinas especializadas para o fazer, nas condições mais apropriadas.
Anabela Carvalho é uma das técnicas especializadas que tem em mãos a missão de manter viva a história de Braga. Recupera diariamente documentos onde o tempo deixou a sua marca. Antes de chegarem ao laboratório de conservação e restauro do Arquivo de Braga, um caso único no país, estes dados históricos passam pelas mãos de Rosinha, que cuidadosamente lhes dá um primeiro tratamento.
“Quando os documentos chegam cá passam por uma máquina de higienização específica, há um purificador de ar e é necessário limpar os documentos para que depois aqueles que são de conservação definitiva sejam acondicionados e colocados nos depósitos. Por exemplo, nesta primeira fase são retirados os elementos metálicos que, com o tempo, oxidam e desdobram-se os documentos”, começou por elencar Porfírio Correia.
Entramos, depois, no laboratório de conservação e restauro. Um espaço único no país, que permite ao Arquivo de Braga dispor do conhecimento de uma técnica que, quando necessário, realiza “uma ação de conservação preventiva ou mais profunda”.
Para Anabela, “os documentos mais difíceis são os que vêm muito deteriorados”. “As maiores patologias que nós temos são mais as ligadas lacunas volumétricas, dobras e rasgões”, explica a técnica. O livro mais antigo que lhe passou pelas mãos ainda está no laboratório. É um manuscrito do século XVI do recenseamento eleitoral. Será, agora, feito “o estudo para identificar os danos que estão patentes neste tipo de documentação e, depois, então delinear uma proposta tratamento sempre com base na intervenção mínima”. Há intervenções que chegam a demorar um ano até à recuperação do documento.
"Temos mais de 1000 pedidos na plataforma para a obtenção de cópias de plantas e de alvarás de licenças"
São muitos os serviços que compõe o Arquivo Municipal de Braga, mas o mais requisitado é o do Urbanismo, “onde todos os pedidos de obtenção de cópias, certidões, seja em papel ou digital, são tratados”.
“Desde o dia 28 outubro, temos mais de 1000 pedidos na plataforma para a obtenção de cópias de plantas e de alvarás de licenças e temos mais 900 atendimentos presenciais. Diria que 90% (da procura) incide sobre esta área”, informou Porfírio Correia.
Logo à entrada, o visitante tem uma sala onde pode, por agora, consultar o arquivo digital ou aceder a documentos. As visitas são agendadas o que evita tempos de espera, uma vez que quando chega o utilizador já tem o documento que pretende consultar disponível. Na mesma sala há uma espécie de biblioteca com “obras publicadas por autores bracarenses, não só sobre a história local”. Ali está também a coleção completa da revista Bracara Augusta, que este ano celebra 75 anos de existência.
O Arquivo de Braga ambiciona ser muito mais do que um depósito de documentos ou um edifício que reflete a história de um povo.
“Procurando desmistificar a visão canónica ou tradicional de que num arquivo existe um conjunto de documentos que só um investigador e letrados acedem".
Queremos ser um arquivo de referência na era digital, aberto e para todos
Através do programa de mediação Educativa e Cultural, estão previstas residências e atividades direcionadas para os jovens e seniores.
“Celebrando o centenário do nascimento do mestre Veiga, iremos trabalhar sobre o seu espólio e processo criativo, envolvendo as turmas do 9.º ano da Escola Francisco Sanches, com a Casa ao Lado, que resultará num arco de São João feito pelos jovens”, adiantou Porfírio Correia.
Já o espólio da Foto Aliança servirá para os mais velhos identificarem, a partir dos retratos, “a presença ou ausência do feminino na história da fotografia dos anos 30, 40 e 50”, ou seja, serão desafiados a refletir sobre “o rosto e o papel da mulher bracarense na sociedade”. “São dois exemplos simples de como um arquivo, partindo das fontes existentes, se pode aproximar dos cidadãos, dar-lhes uma nova leitura e transmitir aquilo que é o património existentes”.
Os jovens, admite ainda Porfírio Correia, “antes de ter um primeiro contacto e conhecer aquilo que é a atividade diária de um arquivo, não têm essa consciência de forma presente”. “Após um primeiro contacto, e conforme o evoluir dos ciclos escolares, notamos que há uma preocupação de saber que a história está presente nas fontes, documentos ou suportes, e que eles são necessários para fazermos leituras, reinterpretar e desenvolvemos projetos”, acrescentou.
No dia em que se dá início à Braga’25 – Capital Portuguesa da Cultura, o Arquivo Municipal de Braga abre as suas portas e promove visitas guiadas. No entanto, pouco tempo depois de as inscrições abrirem, esgotaram. Ainda assim, esta não será a única oportunidade de conhecer este espaço.
As famílias que queiram visitar o Arquivo podem constituir um grupo de 15 a 20 pessoas e solicitar o agendamento da mesma. Todos os meses, o terceiro sábado será dedicado a grupos específicos. Por exemplo, em fevereiro, os funcionários municipais serão convidados a conhecer o novo espaço, seguem-se os autarcas locais e as entidades culturais do concelho.
São séculos de história que se leem nas prateleiras de um Arquivo que pretende abrir as portas ao mundo…assente na premissa de que um povo sem memória, que não lembra o passado, é um povo sem futuro.