Academia 26.04.2024 08H46
José Cordeiro recorda 25 abril vivido na capital e o "marasmo" dos anos 70 em Braga
Docente aposentado do ICS da Universidade do Minho é o convidado da edição especial do UMinho I&D dedicada à Revolução dos Cravos.
José Manuel Lopes Cordeiro, professor aposentado do Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho (ICS), estava em Lisboa no dia 25 de abril de 1974. Em entrevista ao UMinho I&D, numa edição especial dedicada aos 50 anos da Revolução dos Cravos, o docente recorda um dia cinzento em que a população saiu em massa para as ruas da capital com a esperança de derrubar o regime fascista que vigorou durante 48 anos.
"Havia uma grande alegria e havia uma certeza, seja qual fosse a evolução dos acontecimentos, o certo é que o regime tinha caído", afirma. O comércio assim como o metro da capital estava fechado por isso José Manuel Lopes Cordeiro seguiu para o Marques de Pombal à boleia.
Uma das memórias que guarda desse dia histórico é da sede de informação da população. As rádios passavam de forma sucessiva os comunicados do Movimento das Forças Armadas (MFA), as televisões não tinham grande relevância e, por isso, a imprensa escrita, que chegava às mãos dos cidadãos através dos ardinas*, como o Diário de Notícias e o Século, esgotavam. "Num só dia lançaram cinco ou seis edições" todas elas com alteações nomeadamente nas suas manchetes sobre a Revolução.
Na época com 20 anos, José Manuel Lopes Cordeiro recorda que nos primeiros momentos da revolução não era clara a natureza dos manifestantes. "Tinham corrido boatos que o setor ultra do regime, ligado ao Presidente da República, cujo expoente militar era o Kaúlza de Arriaga, se estava a preparar para dar um golpe de Estado, portanto de extrema-direita, ou seja, a situação ainda ia agravar-se mais e de modo que inicialmente não havia bem a certeza do que é que estava a ocorrer", refere.
O Portugal pré 25 de abril era de atraso e "marasmo"
Braga era nas décadas de 60 e 70 uma cidade com uma presença religiosa muito forte. Apesar de ter nascido na cidade invicta, José Cordeiro viveu e estudou em Braga, onde os rapazes que frequentavam a Mocidade Portuguesa e o seminário participavam num desfile.
Num Portugal empobrecido e rural, para muitas famílias a única forma de garantir a educação dos filhos era através do seminário. Na cidade dos arcebispos existiam perto de oito estruturas. Quanto às raparigas ficavam em casa ou frequentavam a Mocidade Portuguesa feminina. A emigração, já na entrada da década de 70, acaba por alterar o paradigma, visto que a população acaba por ter mais rendimentos.
"Era um marasmo total. Não se passava nada", recorda. "Por exemplo, não haviam infraestruturas para praticar desporto", e se quisessem socializar restava dar a apelidada "volta dos tristes" entre a Rua do Souto, a Arcada e a Rua dos Capelistas.
Para o docente aposentado da UMinho, um dos símbolos da revolução na cidade dos arcebispos ao nível cultural, é a Livraria Víctor de Sá. "Tínhamos livre acesso às estantes", o que era raro nesta época, para além disso, existia uma espécie de galeria em que aconteciam iniciativas que pressupunham a discussão da sociedade portuguesa e momentos musicais com artistas como Zeca Afonso ou Adriano Correia de Oliveira.
José Manuel Lopes Cordeiro já catalogou mais de 700 títulos da imprensa clandestina
No ano em que foram assinalados os 40 anos da Revolução de Abril e da fundação da Universidade do Minho, o professor lançou “A imprensa clandestina e do exílio no período de 1926-1974, um livro-catálogo com 592 títulos divididos por 18 categorias de imprensa de oposição ao regime salazarista.
Ora, 10 anos depois, José Lopes Cordeiro continuou o trabalho e fala em mais de 700 títulos que na altura não tinha ainda encontrado. "Esta imprensa, que era clandestina, era distribuída dentro de uma organização partidária e depois passada a amigos. Houve casos em que pessoas foram presas porque enganaram-se e, afinal, essas pessoas acabaram por os denunciar. Também eram distribuídos em escolas e fábricas", revela.
*vendedor de jornais de rua