Há 52 mil pessoas que já esgotaram este ano o plafond de duas “autobaixas”

Desde o início da vigência das autodeclarações de doença (ADD), a 1 de Maio de 2023, até ao dia 31 de Julho de 2025, foram emitidas pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) 1.038.296 “autobaixas” sob compromisso de honra, sendo que os dias com maior peso no total são as segundas e as quartas-feiras. O número de pedidos tem estado a crescer ano após ano e, nos primeiros sete meses, foram emitidas 311 mil ADD, o que dá uma média de 1466 pedidos por dia contra 1265 no ano passado.

Até 31 de Julho, segundo dados dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), 52 mil pessoas esgotaram o limite anual de duas “autobaixas” (cada utente pode pedir duas ADD por cada ano civil por um período máximo de três dias cada, sendo que esses dias não são remunerados). Em 2024, foram 99 mil a esgotar o plafond, num total de 462 mil ADD emitidas. O Governo já revelou que quer alterar o Código do Trabalho para que, no caso em que se comprove que houve um uso fraudulento desta medida, ela possa dar direito a um despedimento por justa causa.

Questionado pelo PÚBLICO sobre qual a razão que levou o Ministério do Trabalho e da Segurança Social (MTSS) a avançar com esta intenção, no âmbito do anteprojecto de “reforma profunda” da legislação laboral que será negociada com os parceiros sociais, o gabinete de Maria do Rosário Palma Ramalho não respondeu, nem clarificou, se tem registo de situações de abusos e o que foi feito nesses casos. Mas, na semana passada, em entrevista ao semanário Sol, Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), garantia que os patrões têm conhecimento de “abusos” e, olhando para o calendário, já sabem de antemão quais são os dias em que alguns trabalhadores “vão estar doentes”.

Pontes e fins-de-semana

“É em pontes, é sistematicamente aos fins-de-semana. Tanto é assim que as empresas já estão neste momento a prever para 2026 quando é que vai haver uma diminuição da força de trabalho”, disse ao mesmo jornal, garantindo que há casos em que os trabalhadores dizem que estão doentes “e depois os mesmos trabalhadores vão publicar vídeos no TikTok, no Instagram ou noutras redes sociais a curarem-se no Brasil. Não faz sentido nenhum”, disse Armindo Monteiro, admitindo, contudo, que “uma minoria não pode prejudicar os direitos legítimos da imensa maioria que é honesta”.

Olhando para o top 10 dos dias com mais “autobaixas” pedidas desde que este sistema existe, Armindo Monteiro parece ter razão. Cinco dos dez dias com mais pedidos de “autobaixa” correspondem a dias do período entre o Natal e o Ano Novo: por exemplo, o dia com mais ADD até à data foi 3 de Janeiro de 2024, uma quarta-feira, em que com três dias de baixa e juntando ao fim-de-semana 7119 pessoas terão ficado pelo menos cinco dias sem trabalhar.

Entre 22 de Dezembro de 2023 (uma sexta-feira) e 5 de Janeiro de 2024, foram pedidas 38.500 ADD, o que corresponde a 8,3% do total de “autobaixas” do ano de 2024. Mas há outros períodos também com bastante procura, como aconteceu este ano a 5 de Março, a quarta-feira a seguir ao dia de Carnaval. Acresce que, tradicionalmente, Dezembro e Janeiro são meses de frio e de circulação dos vírus respiratórios e da gripe sazonal em que as pessoas ficam mais doentes e podem recorrer a esta figura.

Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, diz que os médicos de família sempre defenderam junto do Governo que as ADD teriam de ser acompanhadas por medidas de fiscalização por parte da Segurança Social, como acontece com as baixas de longa duração, o que não terá acontecido. E também defende que, nos casos em que os patrões (e os colegas de trabalho) têm conhecimento de abusos, devem reportar essas situações para que sejam investigadas.

“Temos todos de assumir esta responsabilidade enquanto cidadãos. Não podemos penalizar o justo pelo pecador”, diz ao PÚBLICO, garantindo que, quer do ponto de vista dos utentes, quer do dos médicos de família, esta medida foi uma boa forma de “combate à burocracia” (antes, as pessoas tinham de ir ao médico para terem uma declaração de baixa). Diz também que “é natural” que, à medida que ela vai sendo mais conhecida, seja usada com mais frequência pelas pessoas em caso de doença aguda e de curta duração (ao fim de três dias, se o utente precisar que a baixa seja prolongada, tem de ir mesmo ao médico).

Fazer fiscalizações aleatórias e cruzar dados

Nuno Jacinto admite, contudo, que, “se não houver fiscalização, pode haver uma situação de impunidade” por parte de quem abusa, pelo que defende que a Segurança Social tem de criar mecanismos – nem que sejam fiscalizações aleatórias ou proactivas no caso em que haja denúncias – para que situações de eventuais abusos sejam identificadas e, eventualmente, punidas. “É preciso cruzar os dados das entidades patronais com os da Segurança Social. Nós não temos dados concretos para avaliar de forma séria este processo. Precisamos de dados, de fiscalização e do acompanhamento da medida”, diz, defendendo que, enquanto tal não for feito, tudo o que se possa dizer será “com base em opiniões” e do domínio do “empírico”.

Olhando por região, os dados dos SPMS mostram que, do universo de inscritos nos cuidados de saúde primários (CSP) que solicitaram ADD, cerca de 357 mil utentes são do Norte, 357 mil de Lisboa e Vale do Tejo, 124 mil do centro, 38 mil do Alentejo e 35 mil do Algarve. O remanescente diz respeito a utentes sem inscrição em CSP ou inscritos em unidades das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Em termos de género, foram mais as mulheres (592.763) do que os homens (445.502) a pedir as ADD.

Segundo a lei actual, a “apresentação ao empregador de uma declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento”, pelo que o objectivo do Governo é agora alargar este critério também às autodeclarações de doença emitidas através da Linha SNS24 e da app.

Público

Partilhe esta notícia
Redação
Redação

Deixa-nos uma mensagem

Deixa-nos uma mensagem
Prova que és humano e escreve RUM no campo acima para enviar.
Music Hal
NO AR Music Hal A seguir: Abel Duarte às 08:00
00:00 / 00:00
aaum aaumtv