Alunos mais pobres enfrentam vários obstáculos, mas acabam licenciaturas mais depressa 

As desigualdades no acesso ao ensino superior são de vários tipos. E começam cedo, bem antes da hora de escolher um curso universitário: aos 15 anos, 91% dos jovens mais favorecidos socioeconomicamente esperam concluir o ensino superior. Apenas 56% dos menos favorecidos têm a mesma expectativa. Este “hiato aspiracional”, como lhe chama a OCDE, é maior em Portugal do que a média de outros países, sublinha-se. Os dados são trabalhados pelo jornal Público e noticiados esta quarta-feira neste diário nacional.


Não tem a ver só com as notas que os alunos conseguem alcançar nos últimos anos da escolaridade obrigatória: apenas 75% dos estudantes desfavorecidos com bom desempenho no secundário esperam concluir o ensino superior, enquanto 97% dos mais favorecidos que têm os mesmos resultados acreditam que o vão fazer.

A análise surge no seguimento de uma candidatura apresentada pela Direcção-Geral do Ensino Superior para ter assistência técnica para a elaboração de uma estratégia que promova o acesso ao ensino superior de estudantes de meios socioeconómicos desfavorecidos.

E, no entanto, os alunos mais pobres que conseguem ultrapassar todas as barreiras que persistem, e entrar numa universidade ou politécnico, não se saem pior nas licenciaturas, inclusivamente nas mais competitivas. Pelo contrário. “Os estudantes de rendimento mais baixo são ligeiramente mais propensos a concluir os seus ciclos de estudo do que os de rendimento mais alto.”

O relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre como tornar o ensino superior português mais inclusivo foi apresentado nesta terça-feira. Baseia-se na análise das estatísticas oficiais (na maioria dos casos relativas ao ano lectivo de 2023/2024) e em mais de dois mil inquéritos a alunos, professores, reitores, serviços sociais de instituições de ensino, psicólogos, entre outros “stakeholders”, conduzidos entre Março e Junho de 2024.

A análise surge no seguimento de uma candidatura apresentada pela Direcção-Geral do Ensino Superior para ter assistência técnica para a elaboração de uma estratégia que promova o acesso ao ensino superior de estudantes de meios socioeconómicos desfavorecidos. A Comissão Europeia contratualizou com a OCDE a prestação desse apoio. Os resultados são conhecidos agora. E começam por apontar as várias “barreiras” no acesso que existem.

Como era previsível, a OCDE constata que os alunos de baixos rendimentos tendem a aceder menos a uma universidade ou politécnico — menos de metade (48%) dos alunos beneficiários de acção social escolar (ASE) no secundário prosseguem estudos. Entre os alunos sem ASE a taxa é de 57%. Os apoios ASE, recorde-se, só são atribuídos a quem tem muito baixos rendimentos.

Se olharmos para os que acedem a “cursos superiores de excelência”, aqueles que exigem ter notas de ingresso de 17 ou mais valores, o cenário é este: só 6% dos candidatos com ASE conseguiram um lugar num destes cursos, contra 14% dos colegas sem apoios do Estado. Também há diferenças regionais enormes. É nos Açores que menos alunos pobres ingressam em cursos de excelência e em Lisboa onde há mais equidade.


Inflação de notas e explicações privadas


As notas de acesso ao superior são uma barreira para alunos que não conseguem pagar explicações privadas, diz a OCDE — as explicações são importantes para ter notas de conclusão do secundário mais altas e ser, assim, mais competitivo. Mas a OCDE lembra também o famoso fenómeno da inflação das notas que, sublinha, tende a acontecer mais nos colégios privados. “Alunos provenientes de famílias com rendimentos mais elevados têm mais probabilidade do que os alunos de famílias com rendimentos mais baixos de obterem notas internas acima das suas competências académicas.”


Para mitigar estas diferenças, o relatório recomenda que se “alarguem e formalizem sessões de estudo destinadas a preparar os exames escolares para os alunos do ensino secundário em disciplinas essenciais, disponibilizando, por exemplo, espaços de estudo, mentores e/ou o apoio de professores”.


Mas o que acontece quando os estudantes chegam ao ensino superior? A OCDE conclui que não há diferenças significativas nas taxas de conclusão entre estudantes de diferentes grupos de rendimento. “E se há alguma diferença, os estudantes de rendimento mais baixo são ligeiramente mais propensos a concluir os seus ciclos de estudo do que os de rendimento mais alto.”


Os peritos olharam para as taxas de conclusão dos “cursos de excelência”, como é o caso de algumas engenharias e matemáticas. E apresentam contas: 73% dos estudantes do escalão A de rendimentos (os mais pobres) terminaram sua licenciatura “em linha com a proporção de estudantes da faixa de elegibilidade ASE B (75%) e de estudantes de rendimentos mais elevados sem ASE (71%)”.


Noutros cursos, que não os de médias de acesso mais altas, a taxa é de 65% de conclusão para os alunos mais pobres (ASE A), acima da taxa de conclusão para os alunos de rendimentos mais altos, sem apoios ASE: 58%.

É preciso reavaliar quotas…

A OCDE nota também que as taxas de transição para o superior dos alunos do ensino profissional são baixas (22%). “Isso afecta desproporcionalmente os estudantes mais pobres, uma vez que eles estão sobrerepresentados nos programas profissionais”.

É um bom sinal, diz-se, que os ciclos curtos de ensino superior criados em 2014 (os chamados Ctesp, Cursos Técnicos Superiores Profissionais, com a duração de dois anos) se tenham transformado numa nova via de acesso ao ensino superior e até de progressão para outros graus, como licenciaturas e mestrados. “Mas persistem os desafios de avaliar e formalizar esta via de acesso.”


Outra medida que é preciso reavaliar: as quotas de acesso. “Em 2022/23, o ministério fez um esforço para promover o alargamento do acesso aos cursos mais selectivos em Portugal, através da implementação de uma quota prioritária de 2% dirigida a estudantes com baixos rendimentos”, lê-se no relatório. Na prática isto significa que universidades e politécnicos reservam 2% das vagas dos cursos superiores para alunos beneficiários do 1.º escalão do abono de família. Os candidatos que concorrem através da quota prioritária são ordenados por ordem decrescente das suas notas de candidatura, até que essas vagas sejam preenchidas.


A OCDE lembra, contudo, que uma avaliação recente desta política indica que “a adesão foi inferior ao esperado”. Mas também diz que “se a adesão aumentar conforme previsto, é possível que a dimensão reduzida da quota limite o seu impacto no futuro.”


Sugere-se por isso uma avaliação da medida (algo com que o Governo já se comprometeu), que deve ser alargada a outros regimes especiais de acesso: “O ministério poderia encomendar uma avaliação do sucesso académico dos grupos beneficiários da quota prioritária e de outros regimes de acesso” como os destinados aos candidatos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. “A avaliação poderia considerar a adequação da dimensão da quota prioritária e dos outros regimes de acesso em relação às populações-alvo respectivas. Os resultados poderiam ser utilizados para informar decisões sobre apoios direccionados aos estudantes e sobre a conveniência de alargar a dimensão da quota prioritária.”

… e o programa Mais Superior

Outro programa que merece a atenção da OCDE é o Mais Superior — que prevê bolsas de estudo para estudantes de baixos rendimentos que se matriculem em instituições de ensino superior localizadas em áreas de Portugal onde actualmente há menor procura por parte dos alunos. Para os peritos, a medida “corre o risco de contrariar o objectivo político de promover a equidade na educação”.

Este programa, como lembra a OCDE, destina-se a estudantes de baixos rendimentos. Desde 2019/20, o valor da bolsa foi fixado no valor nominal de 1700 euros por ano. “A bolsa Mais Superior é concedida a um número relativamente reduzido de estudantes, mas considerando que a bolsa mínima no sistema de bolsas de estudo convencional é fixada em 871 euros por ano, os estudantes que recebem a bolsa Mais Superior beneficiarão de um aumento considerável nos seus rendimentos”, prossegue. E isto pode levar os mais pobres a escolher cursos “que não são os mais adequados para eles”, só porque o apoio é maior.



Bolsas e empréstimos

A OCDE deixa bem claro que os custos de estudar, e as próprias despesas do dia-a-dia, são “um desafio importante para os estudantes mais pobres e para as suas famílias quando se trata de prosseguir com o ensino superior”. E assinala o aumento significativo do número de alunos deslocados nos últimos anos.


Rever a fórmula de cálculo das bolsas de estudo, prevendo que sejam mais generosas “as contribuições para as despesas de subsistência dos estudantes com rendimentos mais baixos e dos beneficiários de subsídios de mobilidade”, é uma das sugestões. Outra é melhorar o sistema de empréstimos.

O modelo de empréstimos já foi testado, sem sucesso, provavelmente porque os estudantes receiam endividar-se. Mas a OCDE recomenda que se reanalise o caso. “O governo poderia ir mais longe para melhorar as condições do empréstimo, a fim de torná-lo mais acessível. Poderia explorar a possibilidade de introduzir um empréstimo para despesas de subsistência garantido pelo Estado, com condições de rendimento incorporadas nas condições de reembolso. O objectivo seria que o Estado e os estudantes financiassem conjuntamente a parte das despesas de subsistência que não é coberta pela bolsa de estudos”, lê-se. Um dos exemplos apontados é o da Finlândia onde existe há muito um sistema de empréstimos com um prazo de reembolso de até 30 anos.


O alojamento estudantil é outro factor-chave para captar alunos com menos recursos financeiros e garantir que cada um faz a suas escolhas de futuro não em função da cidade onde pode ter dinheiro para estudar mas da formação que lhe interessa. A OCDE reconhece que tem havido em Portugal um investimento em larga escala mas antevê que a falta de camas continue a ser uma realidade em algumas zonas do país. Pede, por isso, que se continue a investir e que se reveja os complementos de alojamento de modo a que esses apoios sejam “previsíveis, justos e efectivos”.

Notícia do jornal Público

Partilhe esta notícia
Redação
Redação

Deixa-nos uma mensagem

Deixa-nos uma mensagem
Prova que és humano e escreve RUM no campo acima para enviar.
Alumni pelo Mundo
NO AR Alumni pelo Mundo A seguir: Galiza Mais Perto às 21:00
00:00 / 00:00
aaum aaumtv