Raio-X ao novo PDM: o guia prático para descodificar o futuro de Braga

A aprovação da terceira revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) de Braga não encerrou o debate técnico. Pelo contrário: a RUM teve acesso não só ao documento de 12 páginas que reúne as dúvidas da oposição e as respetivas respostas do executivo em seis, mas também a todo o dossier de documentos técnicos que serviram de suporte à decisão. Este ‘raio-X’ revela as linhas vermelhas do novo ordenamento, cruzando os pontos críticos levantados pelos vereadores do Partido Socialista (PS), Iniciativa Liberal (IL) e Amar e Servir Braga (ASB) com as garantias técnicas e os dados oficiais que vão moldar o concelho nos próximos anos.
As Questões: O escrutínio da oposição
O documento apresentado pelos vereadores do Amar e Servir Braga, do Partido Socialista e da Iniciativa Liberal focou-se, ao longo de 12 páginas de propostas e dúvidas, em lacunas de informação e potenciais riscos para o território, utilizando uma linguagem direta para confrontar a proposta da autarquia:
- Opacidade na Transparência: Os vereadores criticaram a ausência de mapas comparativos fundamentais, afirmando que “não se encontra a Planta de sobreposição (vermelhos e amarelos) considerando o total de 7173,50 hectares de solo urbano do PDM de 2015”.
- Riscos de Inundações Omitidos: A oposição questionou por que razão locais críticos como o túnel do Melia ou a Rotunda das Piscinas ficaram fora da cartografia de riscos, perguntando diretamente: “porque não consta esta zona na Planta de Riscos de Cheias e Inundações?”.
- Ameaça à Função Comercial: Foi manifestado o receio de que a conversão de lojas em habitação descaracterizasse o centro, alertando que “sem artigo autónomo, não há base legal para recusar qualquer alteração de uso de comércio/serviços para habitação em comunicações prévias, seja onde for”.
- Indefinição da Alta Velocidade: No que toca à ferrovia, a oposição apontou uma falha de planeamento estratégico ao notar que “não está previsto o local da estação do TGV”.
- Restrições no Mundo Rural: Os vereadores questionaram o tratamento diferenciado no solo agrícola, perguntando “porque não se mantém a possibilidade de construção na zona com menos capacidade de produção, de habitação para o agricultor, e se restringem antes os empreendimentos com fins turísticos?”
As Respostas: A fundamentação técnica
Nas seis páginas de esclarecimentos, o presidente João Rodrigues justificou as opções do executivo, sublinhando que o PDM não é construído de forma informal, mas com base na lei nacional e na gestão de risco financeiro:
- Conceito de Solo Urbano: O presidente esclarece que a delimitação atual “não é uma mera atualização aritmética do PDM anterior, nem uma repetição de perímetros antigos”. Reforça ainda que “urbanizável nunca foi urbano”.
- Reclassificação de Solos: Na resposta sobre as áreas de expansão, o documento afirma que “isso não é continuidade. É reclassificação. É uma decisão substantiva e sindicável”. Sublinha ainda que “a revisão de um PDM não é um exercício de conservação de expectativas”.
- Drenagem vs. Riscos Naturais: Sobre as inundações nos túneis, a resposta técnica defende que estas “correspondem, tipicamente, a insuficiências da rede de drenagem e a vulnerabilidades infraestruturais localizadas”. O presidente justifica a sua exclusão da planta de riscos “sob pena de se confundir perigosidade hidrológica territorial com problemas operacionais do sistema urbano de drenagem”.
- Gestão do Erário Público: Sobre a omissão da estação do TGV, o executivo explica que qualquer reserva de solo prematura poderia “implicar a obrigação de aquisição do solo reservado num prazo curto, com impacto financeiro elevado e risco de litigância“. Reforça ainda que “não se trata, portanto, de ‘desenhar’ no mapa por antecipação. Trata-se de criar restrições com consequências patrimoniais e financeiras”.
- Controlo da Função Urbana: O Município assegura que o regulamento permite travar a mudança de uso de lojas para casas sempre que se verifique uma “incompatibilidade material urbanística, incluindo por efeitos sobre trânsito, estacionamento, cargas e descargas, incomodidade, riscos e impactos patrimoniais e ambientais”.
- Expectativa Habitacional: O travão à habitação no campo é justificado por razões económicas, pois “enquanto o solo rústico ‘carregar’ expectativa habitacional, o valor do terreno sobe, a reorganização fundiária torna-se mais difícil e a viabilização económica da atividade agrícola e florestal piora”.
Análise Técnica: O Futuro de Braga em Números e Regras
Para lá do debate político, a documentação técnica revela uma estratégia de ordenamento que privilegia a consolidação do território e o controlo rigoroso da expansão urbana através de novas métricas e mecanismos de gestão.
1. A Reclassificação do Solo Urbano no Concelho
A proposta fixa o total de solo urbano em 7.449,10 hectares. Este valor representa o somatório do solo urbanizado com áreas anteriormente classificadas como urbanizáveis que, por imposição legal, foram agora reclassificadas. Tecnicamente, a planta de “vermelhos e amarelos” é definida pelo executivo como uma “peça comparativa de regime” destinada a evidenciar onde a capacidade de construção sofreu alterações materialmente relevantes.
A distribuição deste crescimento é transversal ao território, refletindo a consolidação de perímetros que já dispunham de vocação construtiva.

2. UOPG: O Mecanismo de Gestão e Equidade
Para gerir o crescimento urbano e garantir que a expansão da cidade é acompanhada por infraestruturas, o PDM utiliza as Unidades Operativas de Planeamento e Gestão (UOPG) como braço operacional.
- Instrumento de gestão: as Unidades Operativas de Planeamento e Gestão não são uma classe de solo, mas sim um instrumento para organizar, fasear e garantir a concretização de objetivos urbanísticos.
- Repartição de encargos: o objetivo técnico é assegurar regras de equidade e a repartição de encargos e benefícios entre os proprietários.
- Controlo de urbanização: estas unidades impedem o licenciamento avulso, descoordenado e sem suporte infraestrutural, obrigando a que a construção seja acompanhada por cedências para espaços verdes, equipamentos e redes de drenagem.
- Aptidão construtiva: quando delimitadas em solo urbano, as unidades assumem que o território tem aptidão construtiva plena, mas sujeita a uma programação coordenada.
3. Edificabilidade no Solo Rústico: Regras e Índices
A disciplina aplicada ao solo rústico (agrícola e florestal) assenta em critérios técnicos rigorosos para evitar a fragmentação da propriedade e proteger a viabilidade económica da produção.
- Proteção da produção: a disciplina aplicada ao solo rústico assenta em critérios técnicos para evitar a fragmentação da propriedade e proteger a produção.
- Parâmetros matemáticos: o regulamento fixa o índice de utilização máximo de 0,025 m2/m2 para instalações de apoio agrícola e 0,1 m2/m2 para empreendimentos de turismo rural ou pecuária.
- Habitação própria: a construção de habitação para agricultores está sujeita a uma área mínima de exploração de 10.000 m² em solos da Reserva Agrícola Nacional e a área de construção não pode exceder os 300 m².
- Fundamentação das restrições: o executivo justifica o travão à habitação dispersa com base em razões legais de contenção da artificialização, motivos económicos para evitar a subida do valor da terra e imperativos de ordenamento para reduzir custos públicos.
4. Mobilidade Estratégica: Park & Ride e Ciclovias
A estratégia de mobilidade foca-se na intermodalidade e na redução da dependência do automóvel no centro urbano, definindo reservas de solo para infraestruturas de apoio.
- Intermodalidade: a estratégia foca-se na redução da dependência do automóvel no centro através de uma rede de parques dissuasores.
- Localização de parques: o plano identifica quatro localizações Park & Ride: em Ferreiros na UOPG 2.97, Nogueira na UOPG 1.20, São Mamede de Este na UOPG 1.09 e Palmeira na UOPG 1.08.
- Flexibilidade no estacionamento: o regulamento prevê a redução da dotação obrigatória de lugares em projetos situados junto a interfaces de transporte, incentivando o uso do transporte público.
- Objetivos cicláveis: a meta estratégica é expandir a rede ciclável estruturante até aos 76 km, garantindo que as novas operações urbanísticas incluam estacionamento seguro para bicicletas.
5. Validação Técnica e Cartografia de Risco
Antes da sua aprovação, o PDM foi sujeito a um escrutínio técnico permanente por parte de entidades externas para validar a segurança e a conformidade legal do plano.
- Escrutínio externo: o PDM foi acompanhado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e contou com pareceres da Agência Portuguesa do Ambiente e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.
- Entidades setoriais: foram também consultadas as Infraestruturas de Portugal, a Direção-Geral do Território e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.
- Parecer de segurança: a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil validou que as opções de ocupação do solo globalmente não comprometem a segurança de pessoas e bens.
- Critérios de inundação: a Planta de Riscos utiliza cartografia oficial, distinguindo entre perigosidade hidrológica territorial e vulnerabilidades localizadas na rede de drenagem urbana.
O Novo Paradigma para a Braga da Próxima Década
O “duelo” de 18 páginas entre as dúvidas da oposição e as respostas do executivo municipal de Braga revela mais do que uma mera divergência partidária; expõe a complexidade de transitar para um modelo de ordenamento do território mais rígido e condicionado pela legislação nacional. Enquanto os vereadores do Partido Socialista, Iniciativa Liberal e Amar e Servir Braga focaram o seu escrutínio na transparência dos mapas e nos riscos de perda de potencial económico ou de segurança, a fundamentação técnica do presidente da Câmara Municipal de Braga centrou-se na necessidade de gerir o erário público e evitar litígios financeiros decorrentes de expectativas urbanísticas irrealistas.
O novo PDM de Braga marca o fim da era do “solo urbanizável” por inércia, substituindo-o por um sistema de reclassificação substantiva e gestão planeada através das UOPG. Com um aumento líquido de 1.519,78 hectares de solo urbano, mas com travões severos à habitação dispersa no mundo rural, o plano desenha um concelho que procura crescer para dentro, consolidando o seu centro e protegendo a viabilidade económica do seu solo rústico.
Para os cidadãos e investidores, este ‘raio-X’ aos documentos oficiais mostra que o futuro de Braga será definido por critérios técnicos mais apertados, onde a construção de habitação, a mobilidade intermodal e a proteção ambiental deixam de ser vistas de forma isolada para passarem a fazer parte de uma engrenagem de gestão territorial integrada que moldará o quotidiano de Braga até à próxima década.
Dossier PDM: Documentação Oficial
Os documentos integrais que serviram de base a esta análise da RUM:
