Como uma equipa da UMinho está a criar o antidepressivo do futuro com ‘cogumelos mágicos’

A Universidade do Minho está na linha da frente da investigação em saúde mental a nível global. A equipa de cientistas liderada por Luísa Pinto e Nuno Dinis Alves, do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Escola de Medicina da UMinho, foi distinguida com um financiamento superior a 800 mil euros da prestigiada fundação britânica Wellcome, no âmbito do programa Mental Health.

O ambicioso projeto de dois anos visa responder a uma das necessidades mais críticas da saúde global: a urgência de novos tratamentos para a Depressão Major que sejam simultaneamente rápidos, eficazes e sustentados no tempo. Em entrevista ao UMinho I&D, a cientista Luísa Pinto começa por colocar a tónica na urgência da saúde mental e na forma como o cérebro se adapta. “A minha investigação no ICVS tem-se desenvolvido à volta de mecanismos de plasticidade no cérebro e de como é que a plasticidade é importante para recuperar sintomas depressivos”, explica, referindo-se a alterações nas células cerebrais que acabam por ter impacto funcional e, mais tarde, no comportamento, incluindo sintomas de ansiedade, anedonia e alterações cognitivas.


O alvo inesperado: a pista da Psilocibina


O ponto de partida para a descoberta do novo alvo terapêutico para a depressão foi o estudo de antidepressivos de rápida ação. Entre eles, estava a psilocibina, o composto psicadélico extraído de certas espécies de cogumelos, popularmente conhecidos como ‘cogumelos mágicos’. Tudo é feito em doses rigorosamente controladas em modelos animais. O que a equipa observou nos animais com comportamento tipo depressivo foi contundente. “Uma única dose de psilocibina, numa dose controlada, induz uma recuperação dos sintomas tipo depressivos muito rápida e que se prolonga ao longo do tempo”, aponta a investigadora. Foi nesta “pesca” de proteínas alteradas após o tratamento com psilocibina que o grupo identificou um transportador vesicular em neurónios com potencial para se tornar o verdadeiro protagonista da história. “Encontrámos um transportador vesicular nas células, nos neurónios do cérebro, que pensamos ter um grande potencial para ser um novo alvo terapêutico”, resume.

Um antidepressivo com uma ação rápida e duradoura


O financiamento da Wellcome, de cerca de 800 mil euros para dois anos, permite agora testar a fundo este transportador vesicular como alvo farmacológico para a depressão, incluindo formas resistentes ao tratamento. “O nosso grande objetivo é termos um alvo que seja mais limpo e que evite muitos dos efeitos secundários que os antidepressivos têm e que, além disso, seja mais prolongado”. A rapidez da resposta terapêutica é uma peça central deste puzzle. “Quanto mais tempo um antidepressivo demora a atuar, maior risco é de suicídio, maior risco é de comportamentos nefastos nestes pacientes”, alerta Luísa Pinto. “Ter uma rápida ação e que se prolongue no tempo é o ideal que podemos procurar e é nisso que estamos focados.”


Antes de concorrer ao financiamento, a equipa fez um estudo preliminar com doentes em Portugal, França e Reino Unido, questionando-os sobre aquilo que consideravam mais urgente melhorar nos tratamentos. “A maioria dizia que gostava que se conseguisse resolver isto de forma rápida, para reduzir a ideação suicida e os sintomas ansiosos e depressivos”, relata. “Foi muito paralelo o que os pacientes responderam nos três países e reforçou a relevância de desenvolvermos algo de ação mais rápida, sem efeitos secundários.”

Uma parte ambiciosa do projeto passa por perceber se este transportador vesicular pode também funcionar como biomarcador, contribuindo para o diagnóstico precoce e para prever a resposta ao tratamento. “Queremos ver se este novo alvo pode servir como biomarcador e, para isso, temos estes países todos em conjunto, porque queremos pacientes de vários países para conseguir validar nos pacientes”, explica. O plano passa por recolher amostras de sangue de doentes com depressão em seis países Reino Unido, Suécia, Portugal, Grécia, França e Turquia e segui-los ao longo do tempo, antes e depois do tratamento. “Vamos verificar no sangue destes pacientes, sem tratamento e após tratamento, de forma longitudinal, se este alvo está alterado tal como vemos nos animais”, detalha. “Se nestes exossomas que existem no sangue conseguirmos detetar que este biomarcador distingue quem está deprimido de quem já recuperou, poderemos ter esperança de que sirva como biomarcador no futuro e nos ajude a diagnosticar.” 


Uma rede que liga Braga ao King’s College London e a seis países

O projeto é liderado pela equipa ‘Brain Circuits and Neuron-Glia Adaptations‘, do ICVS da UMinho e conta com a colaboração de Sandrine Thuret, do King’s College London, responsável pela vertente mais ligada às células humanas e às amostras de doentes. “Vai lidar com células de pacientes onde já têm desenvolvida a modulação genética, e o soro dos pacientes para estudar este alvo”, sublinha Luísa Pinto. Para a investigadora, a dimensão internacional não é apenas um selo de prestígio, é uma exigência científica. “Achamos muito importante ter uma amostra de pacientes num grupo alargado de países”, afirma. “Podemos comprovar nos nossos pacientes, mas precisamos de tornar isto mais global e verificar em diferentes populações e culturas que padecem da mesma patologia. Isso valida muito mais o nosso estudo.”


Também a própria estrutura do programa Mental Health da Wellcome foi desenhada para aproximar ciência e indústria farmacêutica, com o objetivo de que, no fim dos dois anos, os melhores alvos possam avançar para programas de descoberta de fármacos. “Durante a segunda fase da candidatura tivemos um industrial expert, uma pessoa da indústria na área da depressão, que foi conversando connosco enquanto escrevíamos o projeto”, conta. “Mostrou-nos o que é que eles precisam de nós para pegarem num alvo e o transformarem num fármaco. Foi muito útil porque, nós investigadores de base, muitas vezes não temos essa perspetiva.”

O reconhecimento recente da investigadora, destacada nos ‘Best Scientific Rankings 2025‘ e homenageada pelo município de Vila Verde, é encarado como um resultado coletivo. “Eu represento uma equipa”, insiste. “O orgulho que sinto ao ver estes reconhecimentos é, no fundo, um reconhecimento do trabalho que tenho conseguido fazer com a minha equipa. É motivador para mim, para eles e para quem vê que a investigação em Portugal também é valorizada e dá passos importantes”.

Quando olha para a depressão, muitas vezes descrita como doença do século e uma das principais causas de incapacidade a nível mundial, a motivação vem tanto da ciência como das pessoas. “É ver o outro lado, ver aquilo que as pessoas passam, incluindo pessoas próximas de mim”, admite. “A dificuldade que muitos têm em encontrar o tratamento correto é o que motiva o meu dia a dia e o da minha equipa, para conseguirmos responder a essas dificuldades e trazer algo transformador, que não seja só mais um.” No caso desta equipa, a persistência trouxe-os dos “cogumelos mágicos” à possibilidade de um novo alvo no cérebro para tratar a depressão. Os próximos dois anos dirão se este caminho pode mesmo abrir portas a terapias mais rápidas, duradouras e seguras para milhões de pessoas.


Ouvir a entrevista completa de Luísa Pinto ao UMinho I&D em podcast.

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