Teatro da Didascália leva peça sobre a indústria à Fábrica Sampaio Ferreira

O local que outrora foi o posto de trabalho de centenas de pessoas é agora palco de uma peça de teatro, apresentada pelo Teatro da Didascália. “Paisagem Efémera: Refletir sobre o passado e o presente de Riba D’Ave” é o primeiro de três atos, que o grupo famalicense leva, neste caso, à Fábrica Sampaio Ferreira, na vila de Riba D’Ave.
Fala-se do passado, do presente e do futuro num espetáculo que conta com quatro personagens em palco. Bruno Martins, diretor artístico, revelou que, desde logo, o grupo achou “que o ideal era a dramaturgia ser trabalhada a partir deste espaço e do que era sugerido pela ‘bagunça’ de uma fábrica abandonada há tantos anos”. Pelo espaço ainda restavam vestígios de um passado já longínquo, que comprovam que aqui houve vida. Linhas, cones e até peças de roupa e calçado permanecem entre as paredes que contam a história iniciada em 1896 por Narciso Ferreira, o homem que perpetua o seu nome por vários espaços da vila, desde o hospital, ao mercado, passando pelo cineteatro. A Sampaio Ferreira tornar-se-ia a primeira fábrica moderna de Vila Nova de Famalicão. Dizem os registos, que contava com 200 teares.
“Estes objetos contam a história da indústria têxtil em Riba D’Ave, mas está na hora de olhar para o espaço, para aquilo que já acabou, e pensar no que se pode construir a partir daqui. Falamos disso quando referimos as plantas, que estão a tomar conta deste espaço, e que são uma metáfora para esta resiliência”, disse o diretor artístico.
Com a abundância de informação pública sobre a família Ferreira, o grupo preferiu colocar os trabalhadores no centro da ação desta peça. “Falavam-nos sempre da família Ferreira, que é impossível desligar da vila, mas há muito pouca narrativa sobre os trabalhadores, sobre quem deu o suor durante um século de fábrica”, explicou o ator, frisando que apesar das “poucas referências” estes funcionários tiveram “importância no desenvolvimento da vila”.
Os sons das máquinas, comparam com os silêncios de agora, a representatividade da mulher na classe operária, que conjugava com o trabalho doméstico e familiar, o processo de industrialização, a cada vez mais notória substituição do homem pela máquina, os problemas psicológicos provocados pelas rotinas laborais e as marcas que ficam em quem “perde a função” depois da falência são algumas das problemáticas abordadas no espetáculo.
Durante o trabalho de investigação, o grupo falou com uma médica de saúde familiar e procurou saber “quais as doenças associadas à indústria, não só quando se trabalha num espaço barulhento, com micropartículas dos tecidos e as diferenças de turno, que causavam problemas de sono, mas os problemas que se sentem também quando se deixa de trabalhar”. “É curioso, porque vínhamos de um processo semelhante enquanto atores, porque estivemos mais de um ano sem trabalhar, durante a pandemia”, referiu ainda Bruno Martins.
Margarida Gonçalves é a única mulher do elenco e pretende destacar a figura feminina, “que teve grande importância nesta indústria”. “As mulheres trabalhavam em número maioritário nestas fábricas, porque os homens emigraram, e elas criaram uma indústrria e, além da fábrica, tinham o trabalho doméstico, filhos para criar e a horta”, acrescentou a atriz.
Durante o espetáculo, a personagem interpretada por Bruno Martins faz referência ao facto de as máquinas fazerem tudo sozinhas. “Mas quem lhes liga o botão para que trabalhem sozinhas?”, questiona. Esta é outra matéria que o Teatro da Didascália traz para cena, evidenciando a inteligência artificial, que vai tomando conta dos nossos dias. “Estamos num constante processo de substituição. Estamos numa nova revolução tecnológica que vai substituir muitas daquelas que são as nossas funções”, finalizou o ator.
O projeto Paisagem Efémera – industrial e urbana do grupo famalicense vai contar com mais dois atos, que serão apresentados nos próximos meses. O primeiro estreia, na Fábrica Sampaio Ferreira, em Riba D’Ave, a 27 de maio, às 19 horas, e repete no dia 28, à mesma hora. No dia 29, a peça inicia às 11 horas. A lotação é de 53 lugares e o bilhete custa 5 euros.
