Sobre(viver). Um ciclo de linhas que descreve a “crucificação das mulheres”

Do sonho do casamento católico ao pesadelo da violência doméstica física e psicológica, passando pela questão do aborto clandestino. Estes são os temas abordados pela exposição “Sobre(viver)” de Nina Franco.

O trabalho da jovem artista e activista de 32 anos nascida no Rio de Janeiro, e que vive e trabalha actualmente em Londres, faz parte da 30ª edição dos Encontros da Imagem e estará patente no Museu Nogueira da Silva até 31 de Outubro.


Sobre(viver), uma obra que emerge das vivências da artista.


Ao percorrer a exposição encontramos fotografias de mulheres negras cobertas de turbilhões de fios de lã vermelhos. Fios esses que contam não só a história da sua infância, assim como de muitas mulheres de cor que viviam da costura. “Cresci com o chão, da minha casa, cheio de linhas”, recorda na apresentação.

Mas estas linhas trazem também “um mar de sangue” que vem desde a colonização. Um ciclo de violência e sobrevivência que prolonga-se até aos dias de hoje.

Em entrevista exclusiva à RUM, Nina Franco adianta que “Sobre(viver)” surgiu num período conturbado da sua vida, fruto da sua própria dor. A artista foi vítima de violência doméstica por duas vezes, em relações distintas, situação que a levou a fazer terapia durante sete meses.

A ideia romântica de que os artistas estão no auge da sua criatividade quando sofrem, não podia estar mais errada de acordo com Nina. “Não queremos criar. Questionamos a nossa própria existência todos os dias”, declara.

“Instituição sagrada”. Uma crítica à igreja católica.

Um véu encarnado cai sobre a face de uma mulher. A tonalidade faz adivinhar as marcas deixadas pelo sacramento. Aqui, como em várias outras peças são utilizados pregos para segurar um véu de mentiras que simboliza a “crucificação da mulher”, até que a morte os separe.

“O véu é um objecto desejado por muitas mulheres, um sonho que por vezes quando conquistado torna-se em violência e sofrimento. O véu esconde o que está a acontecer, logo tem dois papéis.


“Clandestina”. A peça que espelha a falta de políticas sociais no Brasil.

A peça retrata uma mulher silenciada e amarrada a 300 cabides bordados. Uma pilha que vai aumentando de acordo com as estatísticas. Segundo dados oficiais do Governo Brasileiro, por ano morrem mais de 300 mulheres devido a abortos não seguros. Este acto é feito com recurso a cabides.


A artista confessa que não acredita na veracidade dos dados acrescentando que o número de óbitos deverá ser superior. “Morrem por uma questão de saúde pública, na mão do Estado como se o nosso corpo fosse uma mercadoria”, afirma.


“A arte tem um papel social”.

As obras de Nina Franco retratam as chagas das mulheres nos dias que correm e por isso acabam por não deixar ninguém indiferente.

“Não estou aqui para dar lições a ninguém, mas acredito que a arte tem um papel social e eu quero cumprir esse papel. Fazer alguém reflectir através do meu trabalho nem que seja por um minuto sobre o que está a acontecer, sobre o porquê de existir esta violência com as mulheres. Os homens fazem parte deste problema. Como é que eles se curam. Acho nesse caso terei alcançado o objectivo do meu trabalho. Porque a prisão não é a solução do problema, a educação é”, defende.

Novo trabalho será sobre o Brexit.

A artista está já a trabalhar num novo projecto. Desta vez o Brexit será o pano de fundo, sendo que é expectável que Nina Franco retrate a problemáticas dos crimes de ódio contra imigrantes.

Depois de ver o visto recusado recebeu várias mensagens a exigir a saída do país. Com a situação regularizada e já com todos os documentos em sua posse a artista vai trabalhar numa instalação sobre “o corpo imigrante ilegal e legal e os espaços que a que ele tem acesso”. Trabalho contará também com fotografias.

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Vanessa Batista
Vanessa Batista

Jornalista na RUM

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