“IES estão mais interessadas em ter receita com mestrados do que em ensino de qualidade”

A Universidade do Minho é uma das instituições que sugerem que o Regimento Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) “não deve ser tão prescritivo quanto à organização interna das instituições, permitindo maior flexibilidade”. Esta é uma das propostas de reflexão apresentada pela Comissão Independente de Avaliação do RJIES, no relatório tornado público esta quarta-feira.

Cláudia Sarrico, professora catedrática da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, analista de políticas de Ensino Superior e Ciência na OCDE (2015 -2021) e investigadora sénior do Centro de Investigação em Políticas do Ensino Superior, integra este grupo de trabalho, que é presidido por Alberto Amaral, da Universidade do Porto.


Comissão alerta para consequências a curto prazo de um corpo docente envelhido


O relatório da Comissão Independente revela que “tem havido uma progressiva melhoria da qualificação do corpo docente em todos os subsistemas (público e privado, universitário e politécnico)”, mas este está “envelhecido”.

“Os docentes maiores de 60 anos representam já cerca de 24,4% dos docentes e aposentar-se-ão a curto prazo”, sendo “que a renovação do corpo docente é baixa, com percentagens relativamente reduzidas de docentes com menos de 40 anos”.

Nas universidades portuguesas, há “um nível muito elevado de recrutamento/contratação de docentes doutorados pela mesma Instituição de Ensino Superior que lhes atribuiu o grau”. “Aponta problemas para a forma como organizamos concursos dentro das universidades”, alertou Alberto Amaral.

Na última década, há mais mulheres a frequentar o Ensino Superior, verificando-se uma subida de 43,8% para 45,7%.

O setor público tem recorrido “a contratos a termo certo, nomeadamente no caso de professores auxiliares e de assistentes”, já o “número de investigadores integrados mais do que quintuplicou desde 1996 tendo os centros concorrido com um total de 19.418 investigadores integrados na última avaliação”. A comissão destaca “o envelhecimento das equipas de investigadores/docentes e carência de contratação de jovens em Tenure Track, excessiva carga letiva de investigadores/docentes, que dificultam uma atividade de produção científica mais eficiente”.

“O estudo que fizemos em termos de mestrados e doutotamentos mostrou que há uma exagero na quantidade e nota-se falta de eficiência formativa nesses cursos, uma percentagem de abandono muito signficiativa e mostra que as instituições, no caso dos mestrados, muitas vezes estão mais interessadas em ter fonte de receita do que em ter ensino de qualidade”, referiu o presidente da Comissão. 


Universidades consideram que “representação democrática dos Conselho Gerais não parece adequada”

O modelo de governo e a constituição do Conselho Geral (CG) das instituições foram também apreciados e há universidades que consideram que a “representação democrática dos Conselho Gerais não parece adequada, uma vez que à semelhança de outros órgãos colegiais, é composto por elementos eleitos ou cooptados por membros eleitos”. Os membros externos também foram alvo de observações, nomeadamente “em relação ao tipo de membros externos (banqueiros acusados de branqueamento de capitais ou pseudo exteriores, aposentados da instituição)”. “São favoráveis à forma prevista no RJIES de intervenção ao nível do CG diversas entidades como as Universidades de Coimbra, Açores, Aveiro, Minho, UBI, CRUP”, indica o relatório apresentado ontem. O Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior defende uma intervenção “em órgãos consultivos ou pelos curadores, no caso das Universidades fundacionais”.

“No caso particular da UMinho, o funcionamento do CG tem-se pautado pelo quadro normativo fixado pelo RJIES, assegurando-se o desejável controlo e equilíbrio de poderes entre os diferentes órgãos de governo. Há, certamente, momentos de maior tensão que, no entanto, não têm colocado em causa o funcionamento dos órgãos. A presença de elementos externos no CG é um efetivo fator de enriquecimento, permitindo a integração de perspetivas e experiências oriundas de diferentes setores da sociedade e da economia. Quanto à composição dos órgãos, eles têm de assegurar um equilíbrio entre a representação dos corpos académicos e de elementos externos e a necessária flexibilidade de resposta a um contexto em transformação muito acelerada. As instituições têm experiências pré-RJIES de órgãos de grande dimensão caraterizados pela baixa operacionalidade. Importante é assegurar que as diferentes visões existentes na Instituição encontrem expressão aos diferentes níveis da organização”, refere o contributo da academia minhota. 

Ainda sobre este ponto “o CRUP, o ISCTE e, por exemplo, o CNE recomendam a alteração da sua composição (mas sem alterar muito a dimensão) para assegurar uma melhor representatividade. Se a decisão final for a de manter os CG há uma opinião generalizada de que devem ser feitas duas alterações”, nomeadamente “os CG não devem ser responsáveis pela eleição do Reitor/Presidente, devendo este  ser eleito por um corpo mais alargado e representativo, por exemplo uma assembleia ou colégio eleitoral, ou mesmo por voto universal ponderado de toda a academia” e, por outro lado, “o CG não deve intervir na vida privada da instituição, limitando a sua atividade à

aprovação dos planos estratégico e de atividades, orçamento e contas, decisões sobre

património, etc., sendo de estudar a exclusão da alínea i) do n.º 2 do artigo 82.º”. 

Existe um grande número de respostas (associações de estudantes, organizações sindicais e uma percentagem claramente maioritária de docentes e investigadores e pessoal técnico, administrativo e de gestão de Universidades e Politécnicos) com uma visão claramente negativa do RJIES, considerando que provocou a perda de

democraticidade, a desmotivação dos membros da Academia e a falta de identificação com a atividade da instituição, a concentração de poder, o aumento do clientelismo, do compadrio, da corrupção de valores e do ressentimento, o divórcio entre a comunidade académica e os dirigentes. Para a Comissão, “isto é preocupante e indicia que, provavelmente, o RJIES foi longe demais na eliminação da colegialidade muito para além do que era proposto no inquérito de 2003. Uma solução possível será a de procurar uma situação intermédia, por exemplo como o modelo bicamaral do Reino Unido, ou como o modelo de governo compartilhado das universidades americanasou seja, um modelo que separe claramente a vida pública e a vida privada das instituições. Há um número significativo de propostas favoráveis à recuperação do Senado com poderes deliberativos na regulamentação científica e pedagógica e na aprovação de cursos e unidades de investigação”. 


UMinho sugere enquadramento dos deveres e direitos dos estudantes do Ensino Superior num Estatuto do Estudante

O enquadramento dos deveres e direitos dos estudantes do Ensino Superior num Estatuto do Estudante do Ensino Superior é outra proposta defendida pela academia minhota, bem como por 75% dos inquiridos. “Para além do trabalhador-estudante, o estatuto considera outras situações, tais como as dos estudantes com necessidades específicas, dirigentes associativos, estudantes em órgãos de gestão e estudantes em mobilidade”, lê-se no relatório.

A comissão entende, pelas respostas, que “a frequência do Ensino Superior é marcada por desigualdades no que concerne à relação entre as Instituições de Ensino Superior e os estudantes, que não beneficiam dos mesmos direitos na frequência de aulas, de estágios curriculares ou no acesso a exames”.

Regime Fundacional divide opinões 

No que diz respeito ao regime fundacional, as opiniões “estão bastante divididas”. “As instituições que optaram pelo regime fundacional (5 universidades – Porto, Aveiro, Minho, Nova, ISCTE – e 1 instituto politécnico – Cávado e Ave) e os seus curadores são claramente favoráveis à manutenção e aprofundamento desse regime e consideram dever ser este um novo momento de ambição, de promoção do desenvolvimento institucional e de aprofundamento da autonomia das instituições de ensino superior e que maior autonomia no recrutamento e gestão de pessoal, na contratação de bens e serviços e na gestão financeira, permitirá às instituições de ensino superior portuguesas a adoção de procedimentos mais ágeis, colocando-as a par das mais dinâmicas instituições de ensino superior europeias.

Além disso, “existem propostas para alargar a outras instituições o regime de autonomia reforçada implementada na Universidade de Lisboa quando se fundiu com a Universidade Técnica (CRUP, A3ES). São essencialmente contra o regime fundacional as organizações sindicais e a AAC”.

A UMinho defende ainda que “as universidades devem ser dotadas de maior autonomia e na definição de uma estratégia especializada no domínio da investigação”. “No que respeita à autonomia pedagógica, devem as IES ser dotadas da faculdade de autoacreditação dos seus cursos, desde que cumpram requisitos de qualidade em resultado de efetiva autorregulação, decorrente do funcionamento adequado do seu sistema de qualidade”, lê-se ainda no documento outro contributo da academia minhota.

Pode consultar o relatório aqui.

Partilhe esta notícia
Liliana Oliveira
Liliana Oliveira

Deixa-nos uma mensagem

Deixa-nos uma mensagem
Prova que és humano e escreve RUM no campo acima para enviar.
Music Hal
NO AR Music Hal A seguir: Abel Duarte às 08:00
00:00 / 00:00
aaum aaumtv