Quarentena pode fazer disparar crimes em Portugal?

Com grande parte da população portuguesa em confinamento nas suas habitações, devido à pandemia da Covid-19, a RUM conversou com um especialista em psicologia forense de modo a perceber se o distanciamento social pode levar à evolução de diversos crimes em Portugal. Violência doméstica, desobediência, assaltos ou tráfico de droga são algumas das problemáticas em análise.
A criminalidade em Portugal pode vir a aumentar devido ao confinamento?
Muito pelo contrário. De acordo com o psicólogo forense a criminalidade no nosso país terá, na sua generalidade, “tendência a baixar nos próximos meses”. Rui Abrunhosa explica que não havendo vítimas na rua torna-se difícil para os assaltantes terem essa possibilidade. Além disso as pessoas passam mais tempo em casa, logo esse aspecto irá afastar ladrões.
O especialista realça, contudo, que esta redução do número de crimes não se deve a uma “mudança de atitude”, mas sim a “questões situacionais”. No caso do tráfego de droga o facto de existirem mais forças de segurança nas ruas dificulta as deslocações de “clientes” para a aquisição de artigos pois facilmente serão interceptados pela polícia.
Crimes em contexto familiar podem aumentar.
Este é um dos crimes que podem vir a registar uma taxa mais elevada. Rui Abrunhosa Gonçalves alerta para o facto de “pessoas com baixa tolerância à frustração tornarem-se mais agressivas devido ao confinamento”. De frisar que o facto de existir um maior distanciamento social pode “desencadear um maior número de oportunidades para conflitos”. Actos que podem ter reflexos físicos ou psicológicos.
Recorde-se que o Governo português criou uma linha de apoio para o qual as vítimas de violência doméstica podem ligar ou enviar uma mensagem de forma gratuita, o 3060. O registo do contacto é confidencial e, portanto, não aparecerá nas facturas telefónicas.
O especialista em psicologia forense saúda esta medida, porém receia que isso não seja suficiente. O professor da academia minhota aconselha às vítimas ou potenciais vítimas que organizem “um plano de emergência”, ou seja, um conjunto de contactos de amigos ou familiares para os quais podem enviar um SMS ou ligar em caso de emergência.
Rui Abrunhosa destaca também a importância do apoio externo, por exemplo, através de campanhas na comunicação social. “Sabem que não estão sozinhas e percebem que a qualquer momento podem accionar mecanismos de defesa e prevenção de abusos o que pode ter um efeito intimidatório nos agressores. Percebem que não vão sair dessas situações impunes”, declara.
Como diminuir os crimes de desobediências no âmbito do Estado de Emergência?
“Tudo que mexa no bolso das pessoas no imediato é muito mais eficaz do que um processo que se irá desenrolar mais tarde”, afirma. Deste modo o especialista defende a aplicação de um regime semelhante ao praticado em França, onde para que um cidadão saia da sua habitação tem de imprimir um formulário, caso contrário terá de pagar uma multa entre os 135 e 375 euros.
Recorde-se que até esta segunda-feira as forças de segurança já detiveram 81 pessoas por crime de desobediência na última semana.
Reclusos devem ser libertados devido ao perigo do novo coronavírus?
“Prudência” deve ser a palavra de ordem neste caso do ponto de vista do especialista forense. Relembro que na última semana, a alta-comissária para os Direitos Humanos das Nações Unidas apelou a todos os países para que tirassem das cadeias os presos “mais vulneráveis”, como os idosos e doentes crónicos.
Rui Abrunhosa destaca a premência de identificar os reclusos que podem e devem ser libertados. Antes disso deve ser avaliado “o risco de fuga, violência e sobretudo de reincidência criminal”. Por outro lado, o psicólogo alerta para o facto de muitos dos reclusos acabarem por estar melhor nas prisões, que apesar de tudo, acabam por ter mais condições do que os seus próprios domicílios.
Para o psicólogo esta pode ser uma hipótese de mudança nos estabelecimentos prisionais no que diz respeito à alteração dos níveis de sobrelotação. “O sistema português não tem um nível de sobrelotação prisional. Contudo, existem prisões que estão sobrelotadas porque se calhar a sua capacidade foi redimensionada de acordo com uma lógica utilitária e não de acordo com uma lógica preventiva. Em alguns casos regressar, agora, ao modelo de um recluso por cela faria todo o sentido”, defende.
Agressores sexuais continuam a ser acompanhados.
Apesar das consultas terem sido adiadas para o final de Abril ou início de Maio, está garantido o apoio através de email ou telefone. Todos os “utentes” acompanhados na Universidade do Minho têm uma probabilidade de reincidência baixa a moderada.
