Portugal deve tipificar o crime de pirataria marítima no código penal

Portugal precisa de tipificar o crime de pirataria marítima no código penal. A premissa é defendida por David Vasquez Barro, mestre em Direitos Humanos pela Escola de Direito da Universidade do Minho.
O convidado da última semana do UMinho I&D defende esta ideia no livro “A Pirataria Marítima. O seu regime jurídico e problemas atuais” que contou com a colaboração da Marinha Portuguesa e do Centro de Documentação da Polícia Judiciária. A obra resulta da sua tese de mestrado publicada em 2011, sendo que, entretanto, foi alvo de atualizações. Já foi traduzida e publicada em cinco línguas em formato e-book (Inglês, Francês, Espanhol, Russo e Mandarim).
Recorde-se que Portugal poderá duplicar os atuais 1.72 milhões de km2 de área marítima e ser 97% composto por mar, caso tenha aval da Comissão de Limites da Plataforma Continental na ONU, tornando-se assim a décima maior zona económica exclusiva do mundo.
Em que consiste o crime de pirataria marítima?
Este é um conceito que está previsto no artigo 101 da Convenção das Nações Unidas opara o Direito do Mar de 1982. Esta norma implica três requisitos: o ataque tem de ocorrer de navio contra outro navio, que seja em alto mar, ou seja, para além das 12 milhas náuticas e que tenha um fim privado.
Grande parte do transporte de mercadorias a nível mundial é feito pelo mar. O objetivo dos piratas passa por conseguir “sequestrar um navio para depois pedir um resgate” ou “desmantelar o navio em peças”, neste último caso a probabilidade de existirem perdas humanas aumenta. Este problema causa mais gastos com comunicações assim como origina novas rotas de barcos para fugirem a estas zonas.
No caso da Somália, as Nações Unidas autorizaram o uso de força, pois consideram existir uma ameaça à paz. O facto de ser considerado um Estado falhado faz com que a responsabilização dos autores de atos de pirataria seja “difícil”.
Problemas desta convenção?
No caso prático apresentado pelo jurista o alegado pirata dá entrada no navio como passageiro. Em alto mar decide sequestrar esse navio. Ora, para efeitos da convenção das Nações Unidas, este indivíduo ou grupo de indivíduos, sendo que em muitos casos atuam em grupos organizados entre as 40 e 50 pessoas, neste caso não pode ser acusada de pirataria marítima. Só poderá ser terrorista se a finalidade for política ou ideológica.
No caso da Convenção para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima, esta já tenta abranger os crimes de roubo e terrorismo marítimo, uma vez que permite que o fim seja ideológico e/ou político.
Caso o ato ilícito ocorra no mar territorial de um Estado, menos de 12 milhas náuticas, também não pode ser considerado pirataria marítima.
Que problemas podem resultar do facto de Portugal não prever o crime de pirataria marítima?
Os navios militares portugueses desenvolvem diversas formações fora do território nacional, nomeadamente, com Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, além disso também participam ativamente no combate ao crime.
Ora, de acordo com David Vasquez Barros se um navio militar português capturar um presumível pirata, o acusado só poderá ser julgado por “captura ou desvio de navio, crime contra a segurança de transporte, homicídio, ofensa à integridade física, crimes contra a propriedade, ameaça, coação, sequestro ou rapto”, pois os tribunais não têm competência para julgar esse indivíduo.
Em 2021, foi registado o número mais baixo de incidentes de pirataria e assalto à mão armada desde a década de 90, num total de 132, de acordo com os relatórios anuais da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos. Nenhum dos incidentes registados envolveu navios de bandeira portuguesa.
Para continuar esta trajetória decrescente, o mestre em direitos humanos defende que cada Estado individualmente criminalize o crime de pirataria marítima como já acontece na Austrália, Bélgica, EUA, Espanha, Grécia, Itália e Países Baixos. Outra das recomendações passa por “alterar a convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar para abranger também o fim público e o mar territorial de cada Estado”.
