Especialistas em ferrovia criticam estação de alta velocidade em Semelhe

A linha de alta velocidade não pode estar desconectada das infraestruturas de mobilidade já existentes na região. A opinião é consensual entre os três especialistas em ferrovia, André Fontes, Paulo Silvestre e Frederico Francisco, que debateram, na quinta-feira, no Teatro Jordão, em Guimarães, o futuro da ferrovia na região do Minho.
De acordo com o arquiteto e professor da Escola de Arquitetuta, Arte e Design da Universidade do Minho (EAAD-UM), André Fontes, a construção da estação de alta velocidade em Semelhe, Braga, não contempla ligações às infraestruturas de mobilidade existentes na cidade.
Chegados à estação de alta velocidade, temos de ir de carro até à cidade. Temos de usar o carro para chegar ao comboio. Continuamos a insistir num sistema desligado.
Para o docente, se a dificuldade em reivindicar uma rede ferroviária coesa para o Minho se prende “à falta de densidade populacional” da região, “o critério para a localização da estação que estão a propôr não é compreensível”. O problema é “a falta de uma estratégia” que, por um lado, convide as pessoas afastadas dos transportes públicos a usá-los e, por outro, corrija “um sistema de transportes desconectado”.
“Temos de localizar o nosso modelo de rede e a forma como vamos articulá-la com um sistema que queremos montar. Não podemos isolar a alta velocidade da ferrovia, nem a ferrovia do transporte local ou do automóvel. Nós temos de articular uma visão de conjunto”, reflete.
A alta velocidade deve capitalizar as infraestruturas existentes
Para Paulo Silvestre, arquiteto especialista em ferrovia, o propósito da alta velocidade não deve focar-se unicamente “no melhoramento da intermodalidade”, “na transposição de alguns passageiros de longa distância do automóvel para o comboio” ou até “na compressão dos tempos de viagem”.
“O desígnio de fundo da alta velocidade tem de ser, de facto, o de constituir um reforço do sistema urbano. No Minho, claramente, o reforço deste policentrismo. Intensificar as relações entre as comunidades, entre as organizações, entre as universidades, as empresas e os centros de investigação”, sublinha.
Este não é o caso da malha ferroviária minhota, tampouco da linha de alta velocidade planeada, de acordo com o especialista. Se este projeto fosse fiel ao Plano Nacional Ferroviário (e aos modelos alemão e italiano, nos quais este plano nacional se inspirou) e “capitalizasse as infraestruturas existentes” ao invés de “priveligar a velocidade”, seria possível ao Minho “reestruturar um pouco a sua ocupação” e “combater mais facilmente alguns desafios” como é o caso da crise da habitação, a coesão social, a crise climática. No plano atual, a região corre o risco “de não responder a nenhum destes modelos” mais eficientes, “precisamente por causa da localização da estação de alta velocidade de Braga”, sublinha o especialista.
“Podemos correr o risco de ficar com o pior dos dois mundos. Por um lado, nem temos uma linha nova que permita uma ligação mais direta com a Galiza, nem estações em meio citadino que integrem o Minho numa rede de transportes”, diz.
Estação em Tadim permitiria Lisboa-Guimarães em “bem pouco mais de duas horas”
Na opinião de Frederico Francisco, secretário de Estado das Infraestruturas no Governo de António Costa e o responsável pelo lançamento do primeiro concurso de concessão para a linha de alta velocidade, o melhor traçado, que liga “verdadeiramente Guimarães” à rede, contempla a estação de alta velocidade em Tadim, Braga.
Segundo o especialista, a estação nesta zona permitiria “serviços convencionais até ao centro de Braga e, a partir daí, através de uma linha nova, uma ligação direta até Guimarães”.
Isto permitiria ter serviços que saem de Lisboa, passam no Porto, no aeroporto, param em Braga e terminam em Guimarães.
Ter Guimarães e Braga e o aeroporto do Francisco Sá Carneiro na mesma ligação é um fator muito importante para o ganho de escala, acrescenta.
“Mais do que discutir se chamamos o projeto de alta velocidade, ou não”, para o engenheiro, que é, também, um dos autores do Plano Ferroviário Nacional, o projeto ferroviário mais eficiente “interceta a linha de alta velocidade com a linha convencional”, liga diretamente “as dez maiores cidades”, lista que inclui Braga e Guimarães, e o tempo de viagem é suficientemente curto que “permita eliminar os voos domésticos”.
“É por este critério que se determina qual é a configuração que a linha Porto-Lisboa tem de ter, e em particular a necessidade de garantir o tempo de viagem de 01h15. Com este tempo garantido, completamos Lisboa-Braga em menos de duas horas, o que permite fazer Lisboa-Guimarães em bem pouco mais de duas”, remata.
