Ministro diz que foi descontextualizado e nega acusações de que tem sido alvo

Fernando Alexandre entende que com alunos de diferentes classes sociais as residências seriam melhor cuidadas pelos serviços de ação social porque os estudantes carenciados “não têm voz”.
O ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre considera que as residências universitárias não deveriam ser exclusivas para alunos bolseiros. O ministro disse esta terça-feira que a igualdade de oportunidades deveria incluir alunos deslocados de diferentes classes sociais nas residências estudantis geridas pelos serviços de ação social das diferentes instituições de ensino superior públicas.
A abordagem que o governante fez às residências universitárias tem sido alvo de forte contestação, mas segundo o académico isso decorre do facto de ter sido descontextualizado pela própria comunicação social.
Para Fernando Alexandre, as residências universitárias públicas em Portugal apresentam-se degradadas e pouco ou nada deverá mudar, na sua ótica, se as instituiçõs continuarem a selecionar apenas estudantes bolseiros, mas a proposta para essa mesma alteração foi rejeitada pelos responsáveis das universidades e politécnicos e o governo recuou.
“Não temos dúvidas de que para a igualdade de oportunidades, para a liberdade de escolha e para termos residências que são verdadeiros espaços de integração, de bem-estar e de sucesso académico, a proposta da semana passada era melhor que a desta semana. (…) O que vamos fazer é: os estudantes bolseiros têm prioridade nas residências e só podem receber a bolsa com o valor do custo de alojamento fora da residência se não tiverem lugar na residência”, acrescentou.
O alojamento acessível permanece como uma das grandes barreiras dos estudantes universitários. A falta de capacidade das residências é um flagelo há muito identificado e também por isso o governo incentivou as próprias instituições de ensino superior públicas a construírem novas residências aproveitando apoios do Plano de Recuperação e Resiliência. A UMinho é uma das instituições que vai beneficiar do PRR e quase duplicar a capacidade de alojamento estudantil com duas novas residências universitárias, uma em Braga e outra em Guimarães. No entanto, na ótica do governante, o ideal seria incluir nestes equipamentos geridos pelas instituições estudantes com diferentes capacidades económicas. “Aquilo que fazemos no ensino superior é não misturar, é pôr nas residências universitárias os estudantes dos meios sócioeconómicos mais desfavorecidos. E, por isso já agora, é que depois elas se degradam, é por isso que elas depois não são cuidadas. Quando metemos pessoas que são basicamente todas de rendimentos mais baixos a beneficiar de um serviço público, nós sabemos que esse serviço público se deteriora. É assim nos hospitais, é assim nas escolas públicas, nós sabemos que é assim”, atirou. “Vamos ter residências todas renovadas que daqui a cinco anos se vão começar a degradar. Espero que não, mas vai ser preciso um esforço muito grande de reivenção por parte dos gestores dos serviços sociais, porque o elemento que verdadeiramente faz a diferença, que é termos diferentes estratos sócioeconómicos a beneficiar de um serviço público, aqui não vai existir”, alertou. Mais tarde, em declarações a diferentes canais televisivos, Fernando Alexandre recusou as críticas de que foi alvo considerando que as declarações foram “descontextualizadas”.
Organizações arrasam declarações do ministro da Educação
A Federação Nacional dos Professores condenou as polémicas declarações do ministro da Educação, num “discurso estigmatizante” sobre ação social e residências universitárias, e apontou a falta de investimento público e de ação social no Ensino Superior por parte do Governo.
A Fenprof considerou as palavras de Fernando Alexandre, sobre a degradação das residências universitárias “porque são ocupadas por estudantes mais pobres”, como “profundamente graves, reveladoras e inaceitáveis num Estado democrático que se diz comprometido com a igualdade de oportunidades”.
De acordo com a organização sindical, as insinuações do governante revelam um “preconceito social explícito”, visto que associam a “pobreza à degradação, como se os estudantes economicamente mais vulneráveis fossem, por natureza, causadores da deterioração dos espaços que habitam”.
“Trata-se de um discurso estigmatizante. Estudantes pobres não degradam edifícios; o que degrada edifícios é a falta de investimento público, de manutenção regular e de políticas sérias de ação social no ensino superior”, aponta a Federação num comunicado.
A federação sindical que representa os professores acusa o ministro de ignorar ou fingir ignorar que as residências universitárias são infraestruturas públicas e, por isso, a “conservação é da responsabilidade direta do Estado e das instituições que as gerem”. Culpar os estudantes pelo seu estado de degradação, principalmente os de rendimentos mais baixos, “é uma forma de desresponsabilização política”.“Quando um hospital está degradado, não se culpam os doentes; quando uma escola precisa de obras, não se culpam os alunos. Porque razão haveriam os estudantes carenciados de ser responsabilizados pelo mau estado das residências?”, questiona ainda a organização sindical.
As afirmações do ministro Fernando Alexandre são graves, salienta a Fenprof, visto que atingem “diretamente o princípio da democratização do acesso ao Ensino Superior”.
Também a S.O.S. Escola Pública repudiou as declarações de Fernando Alexandre, relembrando que “o acesso à Educação é um direito fundamental para qualquer cidadão e é um pilar essencial de qualquer país que se queira desenvolvido”.
A educação é “o elevador social” e, por esse motivo, é necessário combater as desigualdades sociais que “quebram o paradigma da exclusão e da marginalização”. “Não se trata apenas de justiça social, mas de um investimento necessário para o futuro da sociedade”, afirma a organização numa nota enviada à comunicação social.
A S.O.S. Escola Pública critica o Governo por, em vez de se preocupar com a falta de investimento, se resolver a “segregar a sociedade, marginalizando cidadãos” e “categorizando indivíduos”. E lamentou que o atual executivo de Luís Montenegro seja forte em “definir que o acesso ao ensino e à educação têm que ser pagos”.
“Este ministro é muito infeliz na forma como, habitualmente, se pronuncia e tem tiques de ditador”, concluiu a nota.
Ministro “não reúne condições para se manter no cargo”
Entre as condenações públicas destaca-se a do Movimento de Utentes dos Serviços Públicos que não só repudia as declarações do ministro como ainda considera que este não tem condições para se manter no Governo.
As declarações de Fernando Alexandre “insinuam que a presença maioritária de estudantes com menos recursos nas residências universitárias é um fator de degradação dos espaços” – afirmação que o movimento classifica como ofensiva e “profundamente reveladora de uma lógica classista que criminaliza a pobreza e transfere para os mais vulneráveis a responsabilidade por problemas estruturais que o próprio Estado se recusa a resolver”.
c/RTP
