Lares: o local onde agora mora a saudade

O mundo abriu-lhe caminho, mas na Associação Cultural e Recreativa de Cabreiros, em Braga, o novo coronavírus ficou à porta. A instituição conta com 30 idosos residentes e 19 funcionários, prestando apoio a 25 pessoas em regime domiciliário. Desde que a pandemia chegou a Portugal, apenas uma funcionária do apoio domiciliário testou positivo à Covid-19. Sem contacto com a equipa do lar residencial, nenhum idoso contraiu a doença.
Agora, estes utentes convivem com a saudade. Difícil de lidar, e ainda mais de explicar, a bola quente ficou nas mãos de quem por estes dias se entregou de corpo e alma à profissão.
“Foi muito dificil lidar com a saudade”
“Foram momentos angustiantes. Houve necessidade de confinar os utentes aos quartos e não compreendiam o porquê, ficando depressivos”, disse à RUM a responsável, Andreia Silva.
Alguns dos utentes, habituados a visitas diárias de pessoas próximas, passaram a culpabilizar a instituição pela ausência de atenção familiar. Foi necessária “muita conversa, carinho e compreensão”. As visitas foram retomadas em Maio, mas com uma lista rigorosa de regras. Em causa está o grupo etário de maior risco, por isso todos os cuidados são poucos. Para já, cada idoso tem direito a uma visita por semana. “Optamos por possibilitar, durante a semana, a entrada de quatro visitantes, entre as 16h30 e as 17h10. Ao fim-de-semana, são possíveis seis visitas”, esclareceu Andreia Silva.
As visitas precisam de ser agendadas antecipadamente e no dia, à entrada, todos os visitantes fazem higienização dos sapatos e das mãos, sendo obrigatório o uso de máscara, e medem a temperatura. Depois de passarem pelo elevador, e já no primeiro piso, voltam a desinfectar as mãos e seguem, por um corredor específico, para a sala de convívio, reservada para o efeito.
Na sala, a dois metros de distância e separados por uma mesa, utente e visitante estão sob o olhar atento de um voluntário, porque, com a saudade, a tentação do toque, do beijo ou do abraço é grande, como é igualmente grande o risco.
“Se há quem cumpra as normas, algumas pessoas mostravam necessidade de tocar nos familiares e tivemos alguns problemas”, adiantou a responsável. Antes disso, durante o confinamento, encurtava-se a distância com recurso às novas tecnologias, recorrendo a vídeochamadas. “Foi muito dificil lidar com a saudade. Tínhamos o chat do Facebook a funcionar, mas eram tantas as chamadas que não conseguíamos que todos os utentes tivessem contacto com a família”, explicou.
Funcionários são testados quando se ausentam mais de sete dias do local de trabalho
Depois de retomadas as visitas, era altura de voltarem as actividades lúdicas. Retomaram em Junho e passou a ser possível ouvir histórias e falar dos acontecimentos diários que o mundo vivia. Neste momento, ainda não é possível os idosos virem ao exterior. As mudanças de temperatura podem suscitar sintomas idênticos aos da Covid-19 e induzir em erro, causando falso alarme.
Além de uma funcionária do apoio domiciliário ter testado positivo, um outro lar, das imediações, “teve muitos casos e as colaboradoras cruzavam-se” com as desta instituição. “Havia receio e tivemos que tranquilizar as famílias”, acrescentou Andreia Silva. Quinze dias depois de uma colaboradora testar positivo, e com todas as outras funcionárias a testarem negativo, foi altura de retomar o apoio domiciliário, que parou durante essa quinzena, por precaução. Nesta associação, as funcionárias do apoio domiciliário não se cruzam com as funcionárias do lar, para evitar o risco de contágio. O início da pandemia foi dos momentos mais difíceis. “Às vezes, recebíamos orientações de manhã para as aplicar de imediato e isso trazia muitos transtornos mentais aos idosos”, exemplificou a directora.
Todos os idosos deste lar foram testados, bem como todos os funcionários, que voltam a realizar o teste sempre que se ausentem por mais de sete dias do local de trabalho.
No momento mais intenso da pandemia, a direcção achou por bem propor aos trabalhadores “turnos de 12 horas” durante sete dias, trocando a equipa na semana seguinte. “Pedíamos que fizessem apenas o percurso casa- trabalho”, lembrou.
Instituição já se prepara para a 2.ª vaga e pede apoio na aquisição de EPI’s
A Associação Cultural e Recreativa de Cabreiros já se “prepara” para a eventual segunda vaga. Neste momento, o stock de Equipamentos de Protecção Individual (EPI) começa a esgotar-se, tal como aconteceu no início. Nessa altura, foi “preciosa” a ajuda dos familiares, da Câmara Municipal de Braga e da partilha entre instituições. “Trocávamos entre instituições o que havia necessidade e valorizo este intercâmbio institucional, porque só assim chegamos mais longe”, disse Andreia Silva.
Luvas, máscaras, aventais e batas descartáveis, protecções para os braços e sapatos e desinfectante são elementos que não abundam e que serão sempre bem-vindos.
Recorde-se que, desde o início da pandemia, à semelhança do que aconteceu em outras zonas do país, centenas de idosos de instituições de Braga foram infectados com a Covid-19 e mais de uma dezena faleceu vítima da doença. Milhares de testes foram realizados a utentes e funcionários, das mais de 30 instituições do concelho. Os números multiplicam-se quando falamos da realidade nacional.
Nestes locais, anseia-se por voltar ao toque, ao beijo e ao abraço. Até que seja possível voltar a sentir, é a saudade que coabita com os utentes.
“Um idoso internado num lar não deixa de ser um cidadão português, com direito a assistência na saúde”
O programa de reforço de recursos humanos em lares vai contratar mais 15 mil trabalhadores até ao final do ano, anunciou o Governo, lançando ainda o programa PARES, que conta com um investimento de 110 milhões de euros em equipamentos sociais.
Os lares de idosos continuam a ser uma das grandes preocupações do Governo, dada a população de risco que albergam. Os cuidados de saúde com pessoas desta faixa etária devem ser redobrados. “Um idoso internado numa residência ou num lar não deixa de ser um cidadão português e, portanto, com direito a assistência na saúde, por parte do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e dos seus médicos de família”, frisou recentemente o primeiro-ministro, António Costa.
Costa lembrou ainda que decorre em múltiplos países o debate em torno da medicalização dos lares e das residências para idosos. “Num país com a dinâmica demográfica que apresenta, este é um debate tão urgente como útil. O Estado tem feito um esforço desde o início desta pandemia para reforçar as condições financeiras e humanas, tendo em vista que as IPSS, misericórdias e mutualidades façam ainda melhor trabalho”, defendeu.
