Irmãs Sá Duarte. As famalicenses que percorrem o sonho da música na Suíça

Estudam no mesmo país, ambicionam uma carreira na mesma área e até partilham os mesmos genes. Na vida das famalicenses Catarina e Patrícia Sá Duarte, os pontos em comum são inevitáveis, não fossem elas irmãs gémeas. No entanto, o percurso feito no mundo da música clássica começou a diferir logo a partir do momento em que optaram por instrumentos distintos.
Aos 21 anos, a violinista Catarina frequenta a Haute École de Musique de Genève (Universidade de Música de Genebra) e Patrícia estuda clarinete na Musik-Akademie Basel (Escola de Música de Basileia). Ambas já concluíram os três anos de licenciatura e estão agora no primeiro ano de mestrado.
Embora vivam no mesmo país, na Suíça, os cerca de 300 quilómetros que separam as duas cidades fazem com que, desde 2016, se encontrem numa realidade bem diferente daquela que estavam habituadas em Portugal. “Passámos todos estes anos, do 1º ao 12º, na mesma turma. Ir para o estrangeiro foi um bocado difícil nos primeiros tempos porque estávamos habituadas a estar sempre juntas”, refere Catarina.
Apesar de na hora da decisão ter havido sintonia na escolha do país, essa harmonia não foi imediata. Se, por um lado, Catarina teve sempre “a ideia de ir lá para fora”, impulsionada pelo facto de “o nível de violino ser mediano em Portugal”, Patrícia ponderou outras hipóteses, inclusivamente fora do mundo artístico, como, por exemplo, seguir antropologia. No entanto, o gosto pela música esteve sempre ‘uma oitava acima’.
Decidida a área a frequentar no Ensino Superior, a maior indecisão esteve na escolha da academia. Inicialmente “não queria arriscar” porque, ao contrário da opinião da irmã sobre o violino, Patrícia considera que “o nível de clarinete é muito, muito alto” em Portugal. “Tinha duas opções, Lisboa ou Porto, embora Lisboa fosse a minha primeira opção”, conta a jovem estudante de clarinete, que até chegou a ter aulas com um professor da Escola Superior de Música de Lisboa.
Apesar desse pensamento inicial, no momento em que Catarina fez as malas para tentar a sorte na Suíça, Patrícia, com a segurança de que se algo corresse mal tinha a hipótese de voltar a Portugal, acompanhou a irmã por terras helvéticas. Fizeram testes em academias diferentes e foram admitidas.
Da adaptação linguística e do (des)acerto do relógio suíço ao estudo “com a mente”
Estando agora habituadas à realidade do país, Patrícia lembra o “choque cultural” que enfrentou, referindo que na Suíça “há regras para tudo” e que os “horários são bem mais rígidos do que em Portugal”. Já Catarina, ao invés da irmã, que vive numa cidade em que impera o cantão alemão e em que o inglês é a língua dominante na academia, teve de aprender rapidamente a falar francês, idioma que prevalece em Genebra. “Quando cheguei sabia algumas coisas, mas pouco e na licenciatura temos muitas disciplinas teóricas. Portanto, temos mesmo de saber falar e saber escrever. Ao início foi muito complicado”, recorda.
Passados três anos e meio da chegada à Suíça, as irmãs Sá Duarte contam como a forma de estudar com o instrumento se modificou. Catarina explica que agora, que “estuda não só fisicamente, mas também com a mente, o máximo é quatro horas por dia”. “Há quem diga que se deve estudar seis horas. No entanto, muitas vezes, são duas horas desperdiçadas porque já não temos a capacidade suficiente para estarmos concentradas”. A irmã acrescenta que é preferível “estudar em blocos” de forma a tirar o melhor proveito do estudo.
Em simultâneo com a formação superior, Patrícia é membro da Orquestra Sinfónica de Jovens da Suíça e faz parte do ‘Trio Meráki’, formado por alunos da Musik-Akademie Basel. A italiana Lea Galasso (violoncelo) e o alemão Dominic Chamot (piano) completam o trio, que actuou na última sexta-feira na Casa das Artes de Famalicão. Já Catarina integra o ‘Acapella Quartet’, criado na Escola Profissional Artística do Vale do Ave (ARTAVE), no ensino secundário, em 2015, juntamente com mais uma violinista, Francisca Portugal, Daniel Silva (viola) e Inês Paiva (violoncelo).
“As pessoas ainda não estão educadas para verem um músico como uma profissão”
Tendo estudado desde os nove anos, altura em que entraram para a Casa da Música de Famalicão, encantadas por ouvirem tocar a banda local, até aos 18 anos em Portugal – dos 10 aos 12 no Centro de Cultura Musical e os últimos seis na ARTAVE – e estando desde 2016 na Suíça, as comparações entre os dois países são inevitáveis.
Patrícia é peremptória a dizer que a formação musical em terras lusas é “muito boa”, mas admite que a “falta de oportunidades” condiciona o resto. Destacando que, em quatro anos, “teve sempre bolsa”, Catarina explica que o apoio dado na Suíça “paga não só as propinas, mas também a casa, a alimentação e os transportes”. “É uma bolsa que me paga tudo. Financeiramente fica mais barato estudar lá [na Suíça] do que cá [em Portugal]”.
A somar à escassez de oportunidades, Patrícia acrescenta que, em Portugal, “as pessoas, culturalmente, ainda não estão educadas para verem um músico como uma profissão”. “Se não há oportunidade para os músicos tocarem, não há oportunidade para haver um público”, relaciona os dois factores, referindo que, em média, nas orquestras, um músico que trabalhe na Suíça recebe um ordenado três vezes superior do que em Portugal.
O profissionalismo à porta e uma certeza em relação ao futuro
A meio do primeiro de dois anos de mestrado, as irmãs Sá Duarte já começam a pensar no futuro após a formação no Ensino Superior. Catarina, que escolheu a vertente de performance, pretende fazer audições para academias de orquestra, através de um estágio de um ou dois anos, antes de tentar entrar numa orquestra profissional do centro da Europa.
Já Patrícia, que está na área de pedagogia e que já tem uma aluna na Suíça, vê com bons olhos a possibilidade de enveredar por esse caminho, mas não esconde que gostava de também tentar a sua sorte numa orquestra profissional, além de continuar a fazer música de câmara.
Embora o percurso nesta área possa novamente levar Catarina e Patrícia para caminhos diferentes, as irmãs Sá Duarte são unânimes em relação ao futuro. “Não penso voltar tão cedo para Portugal”, refere Patrícia. “Tantos anos de estudo e de dedicação para depois voltar e não me sentir realizada? Acho que não vale a pena”, complementa Catarina.
