Investimento em ciência “estagnado” há 30 anos. Academias alertam para perda de soberania

“O país interno sofreu com o período da troika, agora, era tempo de olhar e retomar o crescimento da ciência”, as palavras são da reitora do Iscte, Maria de Lurdes Rodrigues, e coordenadora da obra “O Futuro da Ciência e da Universidade”, que foi apresentado esta quinta-feira, na Escola de Direito da Universidade do Minho.
50 anos depois da reforma do ministro Veiga Simão e da criação das apelidadas universidades novas, nomeadamente, Aveiro, Minho, ISCTE e Nova de Lisboa, o que permitiu a mais portugueses ingressar no ensino superior, as academias unem-se num projeto inter-institucional para um grito de alerta. “O Futuro da Ciência e da Universidade”, trata-se de um diagnóstico que, em 242 páginas, demonstra que o sistema científico português está estagnado desde 2011, ou seja, Portugal conta com o mesmo investimento público em ciência de 1991. Metade da média da OCDE em percentagem do PIB.
Em 2010 a despesa pública em ciência tinha chegado a 0,54% do PIB, mas os quatro anos seguintes de políticas orçamentais determinadas pela Troika impuseram-lhe um severo travão. Em 2021 Portugal tinha regredido para
0,32% – a média da OCDE nesse ano foi de 0,74%, mais do dobro. O Orçamento do Estado para 2024, apresentado pelo Governo na terça-feira, não altera a situação. O aumento de dotação previsto para a Fundação de Ciência e Tecnologia – FCT é somente de 5%, abaixo da inflação verificada, ao contrário de outras áreas.
Para a ex-ministra da Educação, Portugal corre o risco de “perder soberania” e dá o exemplo prático dos doutoramentos em ambiente não académico. “Não foi uma medida nacional, veio com o Portugal 2030, foi uma imposição da Comissão Europeia. É um risco, pois podem decidir que determinada área, como ciências sociais e humanas, não devem ser financiadas”, explica.
Na ótica de Maria de Lurdes Rodrigues é premente que o Governo retome o investimento em ciência, caso contrário “não haverá futuro”. “Há limites para a possibilidade dos investigadores e docentes continuarem a gerar dinâmicas inovadoras”, acrescenta.
O reitor da Universidade do Minho, Rui Vieira de Castro, fez questão de frisar a contradição do discurso político, em que realçam a importância da ciência, contudo, essas palavras não são acompanhadas de uma aposta real na investigação através de verbas.
“Estamos muito mal posicionados no contexto internacional. Quando vemos que o investimento público em ciência mantém-se o mesmo há 30 anos, alguma coisa está claramente mal”, declara.
O responsável máximo da academia minhota lembra que dentro em breve milhares de investigadores vão ver os seus vínculos chegarem ao fim, o que pode significar, como Rui Vieira de Castro já alertou em outras ocasiões públicas, a desagregação de unidades de investigação. Para o reitor da UMinho, a situação “requer uma posição clara do Governo”.
O reitor da Universidade do Porto e presidente do CRUP – Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, António Sousa Pereira, não conseguiu marcar presença, mas deixou uma mensagem forte. “Uma universidade não é, não pode ser uma mera linha de montagem de graduados minimamente preparados para ingressar no mercado de trabalho. A universidade tem de ser um centro de produção e divulgação de conhecimento, um lugar privilegiado de investigação e ciência, e um instrumento de formação técnica, científica e ética capaz de preparar as futuras gerações para os desígnios de imaginar a nossa vida coletiva presente e futura”, afirma.
A obra “O Futuro da Ciência e da Universidade”, conta com as reflexões do Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva. O texto que o encerra é a intervenção com que a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, concluiu o Encontro Nacional “Universidades: Chave para o Futuro” que se realizou no Iscte no dia 7 de dezembro de 2022.
