Estudo do CNJ revela que maioria dos jovens portugueses não tem rendimento para viver autonomamente

São da geração mais qualificada de sempre, mas os jovens portugueses enfrentam bloqueios estruturais sem precedentes para alcançar autonomia e construir o seu futuro. Esta é uma das conclusões do estudo “ID Jovem – Juventude em Números”, promovido pelo Conselho Nacional de Juventude, que envolveu três mil jovens portugueses.
Sessenta e nove por cento dos jovens portugueses afirmam que o seu rendimento não permite viver de forma autónoma. Mais de um terço ganha menos que o salário mínimo nacional, e apenas 36% têm contrato efetivo, ou seja, as qualificações académicas não se traduzem em salários dignos nem em estabilidade profissional.
Oitenta e dois por cento dos jovens ainda vivem com os pais ou familiares. Os custos elevados das casas e a insegurança laboral transformaram a saída de casa num “sonho adiado”. Mesmo os que trabalham não conseguem pagar renda.
Na saúde, os jovens falam de um SNS lento e saturado, onde o acesso a apoio psicológico é praticamente impossível. A terapia privada é cara, e no público os tempos de espera são incomportáveis.
Jovens sentem-se afastados de um sistema político que não fala sobre os seus problemas
Os jovens valorizam a democracia e reconhecem a importância do voto, mas sentem-se afastados de um sistema político que não fala para eles nem sobre os seus problemas. A comunicação dos partidos é considerada institucional e distante, e a literacia política nas escolas é praticamente inexistente.
Há também um sentimento forte de que a emigração é uma obrigação, não uma escolha, sobretudo em zonas com menor diversidade económica ou onde a oferta de cursos superiores e empregos qualificados é limitada… mais de 60% dos participantes em alguns grupos focais já ponderaram sair do país por falta de oportunidades.
O estudo conclui que os jovens portugueses não pedem menos, pedem condições justas para fazer mais.
Que recomendações?
O estudo do CNJ, “ID Jovem – Juventude em Números”, recomenda uma educação mais prática. Os jovens sugerem que currículo escolar inclua competências essenciais para a autonomia, como literacia financeira (impostos, rendas, contratos e gestão de dinheiro) e literacia política e cidadania. É também recomendado o reforço de competências digitais, de pensamento crítico e de empreendedorismo.
É fundamental que os estágios sejam melhor integrados nos percursos formativos, que ofereçam melhor remuneração e que sejam vistos como uma ponte estável para o emprego, e não como uma forma de exploração.
Além disso, o estudo aponta à necessidade de as políticas públicas combaterem o estigma social de que o ensino profissional é de “menor prestígio” ou destinado a jovens com menos capacidades.
É necessário aproximar os currículos das necessidades reais do trabalho e garantir que as qualificações académicas sejam devidamente reconhecidas e valorizadas no momento da contratação e remuneração.
Jovens pedem terapia acessível e reforço de psicólogos
Ao nível da saúde, é sugerido que se reforce e promova a melhoria do SNS, através da redução dos tempos de espera e o aumento do número de médicos de família, garantindo a estabilidade na sua atribuição. É também crucial tornar mais acessíveis as consultas de especialidade, sobretudo nas zonas do interior.
Os jovens apontam ainda a necessidade de melhorar a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para que não dependam do setor privado e dos custos elevados que este acarreta para obterem cuidados.
As recomendações apontam ainda para a necessidade de tornar a terapia mais acessível ou gratuita e de reduzir o custo das consultas privadas. Além disso, o SNS deve reforçar o número de psicólogos, garantindo tempos de resposta aceitáveis. A este nível, deve aumentar-se o rácio de psicólogos por escola para que os serviços não estejam sobrecarregados. O foco deve ir além da orientação vocacional, abrangendo também o apoio emocional. Recomenda-se ainda a criação de espaços privados e não estigmatizantes para as consultas e a formação de docentes e psicólogos para lidar com jovens com deficiência, especialmente neurodivergentes.
Sugere-se também a implementação de campanhas e práticas que normalizem o ato de pedir ajuda, reconhecendo explicitamente a juventude como um grupo vulnerável que necessita de proteção e apoio.
O presidente do Conselho Nacional de Juventude, André Cardoso, diz que “legislar bem implica conhecer a realidade de hoje”. “Este estudo pretende ser um espelho dessa realidade, para construir políticas públicas mais justas e adequadas”, finalizou.
