“Enquanto tivermos o tipo de floresta que temos, vai arder. É inevitável.”

Os incêndios que lavram e continuam a lavrar em Portugal têm graves consequências nos contextos ambiental, nas populações afetadas e vizinhas e no tecido económico da região. Ainda que algumas das populações, de ambos os lados do rio Lima, tenham sido evacuadas e a vida ficado em suspenso durante mais de uma semana, grande parte das perdas foram ambientais. De acordo com os dados provisórios do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), só no Parque Nacional Peneda Gerês, cerca de 5.700 hectares de floresta e mato foram devastados, nas últimas semanas.

Para Pedro Gomes, professor da Escola de Ciência da Universidade do Minho (ECUM) e investigador do Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CMBA), estes fogos estivais devastam, sobretudo, matos e manchas florestais onde predominam espécies invasoras bastante inflamáveis, como são as acácias, os eucaliptos e os pinheiros.

“Os incêndios estivais são uma chatice porque afeta a propriedade, põe em risco vidas, casas. No entanto, nós estamos num sistema onde é natural o registo de fogos”.

“Os incêndios estivais para nós são uma chatice porque afeta a propriedade, põe em risco vidas, põe em risco casas. No entanto, nós estamos num sistema onde é natural o registo de fogos”, diz.

Nas palavras do docente, o surgimento de fogos, especialmente nesta altura, quando os termómetros batem altas temperaturas, é “relativamente normal”. Só não o é nestes casos devido à grande frequência com que acontecem e, no caso específico do incêndio de Ponte da Barca, pelo fogo ter começado durante a noite.


Já o impacto do incêndio na biodiversidade é uma “questão complexa de ser respondida” porque envolve muitas variáveis. No caso da fauna, Pedro Gomes acredita que a resiliência ganha na maior parte dos casos. Quer seja a esconder-se, quer seja a fugir ao fogo, os animais “normalmente têm capacidade de escapar” desde que haja espaço. Isto não significa, contudo, que não morram animais nestes incêndios – morrem e deve-se, sobretudo, à modificação da paisagem, explica. Nesta dimensão, Pedro Gomes aponta o fraco ordenamento florestal como a causa principal. “Enquanto tivermos o tipo de floresta que temos, vai arder. É inevitável”, declara.


Na sua ótica, “A vegetação natural é relativamente resistente.” E no caso dos carvalhais ou de áreas dominadas por árvores folhosas, por exemplo, “o que acontece é que o fogo passa, queima o que tem que queimar, mas é rápido a passar e as árvores aguentam perfeitamente, e voltam a rebentar”.

Uma das soluções é a reflorestação dos espaços naturais com espécies folhosas


Mais importante até do que a vigilância, levada a cabo pelos serviços florestais, para o investigador a solução passa pela reflorestação dos espaços naturais com espécies folhosas, como são os carvalhos. Para isso, devia-se envolver os municípios e, até as freguesias proprietárias de baldios, na “transformação da floresta”, explica.

Incentivar os proprietários de terrenos a plantar árvores mais resistentes em sítios estratégicos, onde estas espécies funcionam como “corta-fogos naturais”, e que em contrapartida são menos rentáveis.


Quem concorda com esta medida é, também, António Vieira, professor do Departamento de Geografia da Universidade do Minho. No Parque Nacional da Peneda-Gerês, “apesar de ser uma área protegida, não quer dizer que também não se possa desenvolver medidas de diversificação da floresta. Isso pode ser feito nas áreas ardidas e em outras áreas do parque e até em outros parques naturais”, sugere.


O ICNF, por exemplo, tem levado a cabo algumas medidas de reflorestação. António Vieira relembra, também, o Programa de Transformação da Paisagem, promovido, ainda que com pouco sucesso, pela Direção-Geral do Território.

Na opinião do especialista, o combate aos incêndios tem “várias dimensões”. No caso concreto do Parque Nacional da Peneda-Gerês, cujo incêndio demorou mais de uma semana a ser controlado no concelho de Ponte da Barca, “temos, para além da monoespecificidade das árvores, a orografia que ali é mais complexa”. 

Medidas a longo prazo a ter em conta

No âmbito nacional, realça o combate dos operacionais no local, a formação dos bombeiros que “independentemente das críticas que possam ser feitas aqui e acolá”, tem vindo a evoluir, a educação “para as medidas de autoproteção, a sensibilização para estes diversos problemas, sejam eles da floresta, dos incêndios, das mudanças climáticas”, a começar pelas crianças e escalado para toda a população, e a “vontade política” para que isto seja um plano a longo prazo.

António Vieira defende que é preciso tomar estas “medida de fundo” com a consciência que “não é para o ano que vamos ter resultados, nem daqui a cinco anos, se calhar nem daqui a dez, mas daqui a vinte anos”, remata.

“Seria importante haver uma contabilização do valor destes ecossistemas”

O Governo prepara-se para lançar medidas de apoio às populações afetadas pelos incêndios deste verão. Quem deu a notícia foi o ministro da Economia e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, no início do mês, garantindo que “os pequenos valores serão pagos sem papéis”.

Rita Sousa, professora da Escola de Economia, Gestão e Ciência Política da UMinho, e investigadora do Núcleo de Investigação e Políticas Económicas, não sabe precisar as medidas propostas este ano, mas explica que a rápida “recuperação de infraestruturas e apoios aos setores mais vulneráveis não são menos importantes do que o combate ao fogo”. São sobretudo “medidas reativas, mas têm que existir”, reitera.

No imediato, “uma boa estratégia de recuperação” passa pela contabilização dos gastos e perdas, pela “recuperação, pelo apoio aos setores das pessoas que ficaram sem os seus negócios, e se calhar algumas transferências sociais”, sugere a investigadora.

O que falta nesta equação, frequentemente, é a contabilização dos gastos indiretos – as quebras na produção, as perdas de emprego, o impacto no turismo, etc. – que, na opinião da professora, deviam ser tidos em conta mais rapidamente.

Um incêndio numa área rural é, nas palavras da docente, “um choque em cadeia” porque, nestas áreas, a agricultura, a floresta, o turismo e alguma indústria “estão interligados e uma perda num setor acaba pode afetar todos os outros ao longo do tempo”. O impacto do incêndio pode, até, afetar municípios vizinhos, intocados pelo fogo.

A par dos “gastos públicos, com os bombeiros, com os meios de combate, a proteção civil, os helicópteros e toda a logística”, os cálculos deviam contar também com “o valor de um ecossistema como, por exemplo, o Parque Nacional da Peneda-Gerês, onde arderam mais de 7.500 hectares”.

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José Brás
José Brás

Jornalista na RUM

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