Braga tem um Cordão que liga doentes oncológicos e dá ‘asas’ ao cancro

São 17h00. Nos corredores do GNRation, em Braga, já se ouve o burburinho. Ao fundo, a sala de ensaio. Poucos minutos depois, já se fazem notar os primeiros acordes. Ao piano, Ricardo Baptista, um dos diretores artísticos do projeto “Cordão”.
Idealizado por Sara Borges, da Faz Cultura – Empresa Municipal de Cultura de Braga -, este Coro de Doentes e Amigos Oncológicos pretende, desde fevereiro, “combater o estigma que está à volta da doença e que faz também com que as pessoas se sintam muitas vezes mais isoladas”. “A música tem um forte poder agregador e uma capacidade muito grande de melhorar a autoestima e o sentimento de pertença”, explica Sara.
Voltamos à sala de ensaio. Isabel, Maria José, Maria de Fátima, Artur e Tânia são apenas alguns dos cerca de 30 participantes.
“Todas as semanas encontramos uma espécie de família. Foi muito rápido criar uma ligação, um cordão a toda a gente e, por isso, eu diria que as palavras que definem melhor este projeto são: intenso e saboroso”, diz Ricardo.
Maria de Fátima Batista tem 53 anos e luta contra um cancro da mama e dos ossos. Veio direta do Hospital para o GNRation. “Eu gosto de estar aqui, a gente sente-se leve, distrai-se a cantar, a fazer brincadeiras, é muito bom e saio mais animada”, confirma.
Maria de Fátima foi quem desafiou Maria José a juntar-se ao grupo. Aos 68 anos, Maria José Calçada ainda está em fase de tratamento para vencer um cancro no rim, pulmões e fígado.
“Aqui, esquecemos os problemas, não nos lembramos de nada. Vamos para casa muito mais felizes. Isto é uma maravilha”, diz Maria José.
Isabel Cardoso, 64 anos, soube da existência do projeto através da filha. Depois de ultrapassar um cancro da mama, decidiu ajudar-se a si própria e participa em inúmeras atividades. O coro passou a ser mais uma. “Adoro, adoro, adoro. Uma pessoa sai daqui descomprimida, aqui esquecemos tudo”, garante. Veio, como diz, “às cegas”, mas sabia que “era para cantar”. “Não tenho boa voz, mas com o grupo disfarço”, diz num tom animado. Isabel confessa que “estava a precisar de uma coisa destas”. “Saio daqui feliz. Faz-me lembrar quando era criança”.
O professor Ricardo reconhece que “há dias de maior vulnerabilidade, há altos e baixos, mas um dos aspetos do projeto não é explorar a vida de cada um”. “Temos no mesmo grupo pessoas que são doentes oncológicas, em diversas fases e com características muito diferentes, mas também cuidadores e membros das equipas médicas e, portanto, não fazemos nenhuma distinção”, sublinha.
O Cordão “é um coro e é musical, mas é também um projeto que procura cruzar outras áreas, como o movimento e a palavra”. “Trabalhamos sempre a partir do círculo, uma vez que a ideia não é criar hierarquias do professor e dos alunos e, por isso, procuramos todos ver ao mesmo nível”, explica.
O poder da música de que Sara falava é também reconhecido por Tânia Fernandes, a quem foi diagnosticado um cancro raro, que obrigou a jovem de 28 anos a amputar uma perna. Natural de Guimarães, Tânia quis juntar-se ao Cordão por ser “uma atividade que a fizesse esquecer do contexto de cancro”. “Aqui, basicamente sais da doença e entras num ambiente de partilha, de alegria”. Quanto à música, a jovem confirma a sua “influência no estado de espírito” e, consequentemente, “na recuperação”. “Nunca imaginaria um projeto deste género no contexto de cancro”, frisa.
Já alinhados, depois dos exercícios de aquecimento, os participantes afinam a voz. A melodia enche a sala.
“Vem aí a Primavera e o cuco também vem,
Vai trazer as boas novas e vai ficar tudo bem”
O repertório musical conta com temas da música popular portuguesa, mas também com criações do grupo. “Os participantes têm vindo propor eles próprios outras coisas. Este também é um projeto de criação. Logo na primeira sessão, começamos a inventar um ritmo e, ao longo desse ritmo, surgiu uma letra, depois, surgiu uma música”, detalha o professor Ricardo.
Em pleno São João, será a primeira vez que todos sobem ao palco, com público a assistir.
A primeira apresentação pública vai ser em forma de instalação, no aniversário do Theatro Circo, ou seja, as pessoas não estão fisicamente lá. Depois, a 19 de junho, o grupo junta-se para mostrar a Braga a forma que encontrou para transformar a doença em momentos de diversão.
Este é um Cordão que não ‘desata’ até ao final deste ano, contando com um apoio de 30 mil euros do PARTIS & ART FOR CHANGE. Depois disso, a continuidade do projeto depende de o Cordão ser um dos 10 projetos escolhidos para a fase de implementação, durante 2026 e 2027.
Neste coro, cada nota musical é uma fuga à doença. Todas as terças-feiras, no GNRation, em Braga, o Cordão dá asas à mente e vida a quem o integra.
