Nelson Lima: O investigador da UMinho que vai coordenar a resposta microbiológica aos desafios do planeta

A ciência produzida na Universidade do Minho atingiu um novo patamar de visibilidade com a eleição de Nelson Lima para presidir ao organismo que coordena a gestão de recursos microbianos em mais de 80 países.
Em entrevista ao UMinho I&D, o investigador do Centro de Engenharia Biológica (CEB) e diretor da Micoteca da UMinho aborda o papel estratégico dos microrganismos na mitigação das alterações climáticas, a preparação para futuras pandemias e a importância da diplomacia científica global.
Com um acervo que agrega quase 900 coleções e mais de 4 milhões de microrganismos vivos, a Federação Mundial de Coleções de Culturas (WFCC) enfrenta agora o desafio de se revitalizar e de aproximar a microbiologia das necessidades urgentes da sociedade. O novo presidente destaca a audácia da academia minhota na conquista deste cargo internacional:
“A Micoteca da Universidade do Minho está a começar a comemorar os seus 30 anos, é jovem, mas é atrevida o suficiente para podermos também participar nestes organismos mais globais e também introduzir outros fatores de diferenciação, que é o que a Micoteca da Universidade do Minho tem feito ao longo dos anos. Tem sido sempre um parceiro confiável, mas muito inovador e disruptivo naquilo que vamos tentando fazer em termos coletivos.”
Revitalizar a Federação e promover a soberania biológica
Um dos eixos centrais do mandato de Nelson Lima é a reorganização interna da Federação, combatendo disparidades regionais e promovendo a soberania dos países sobre a sua própria biodiversidade. Através do Protocolo de Nagoya, a WFCC assume um papel político e científico no controlo da biopirataria e na partilha justa de benefícios.
“O que nós queremos é que o microrganismo não se perca por caminhos mais escuros e por mercados negros que existem e a Federação Mundial tem aqui um papel extremamente importante com as organizações mundiais. O que nós queremos dizer, se eu há bocado falei em bioterrorismo, poderia agora falar em biopirataria. Hoje isso é proibido, há uma convenção da biodiversidade biológica e um protocolo chamado Protocolo de Nagoya que regulamenta todo esse fluxo de utilização de microrganismos, dizendo claramente que os países são soberanos em relação à sua biodiversidade e se alguém usar essa biodiversidade e tirar de lá benefícios, esses benefícios têm que ser partilhados com o país de origem.”
Antecipar a próxima pandemia e mitigar a crise climática
Através de infraestruturas europeias sediadas na UMinho, como o MIRRI e o projeto ISIDORe, que captou recentemente um financiamento de 21 milhões de euros, a investigação minhota está na linha da frente da preparação para cenários de crise. Nelson Lima sublinha que a ciência deve criar mecanismos de resposta imediata para evitar impactos económicos e sociais devastadores, como os provocados pela Covid-19.
“A próxima pandemia vai existir, é um facto. Não sabemos quando é que vai ser e quem vai ser o microrganismo que nos vai complicar. E por isso estamos a tentar aprender com todos os erros e boas práticas que depois acabaram por surgir na última pandemia, mas também temos a consciência de que, por mais bem preparados que possamos estar, no dia que surgir não vamos estar completamente preparados. Porque a natureza são sempre surpresas. E por isso o que nós estamos a tentar é criar todo um conjunto de regulamentações, de boas práticas e de ações de ação imediata para aliviar os danos que foram devastadores com o Covid.”
A excelência das novas gerações de cientistas
Recentemente distinguido com o Prémio Nicolau van Uden, Nelson Lima reflete sobre a evolução profunda da ciência em Portugal desde os anos 80. Para o catedrático, o sucesso da linhagem de investigação do CEB justifica-se pela competência e atitude inovadora dos jovens investigadores que hoje têm ferramentas e capacidades que as gerações anteriores não possuíam.
“Eu continuo a dizer que cada geração é sempre melhor que a anterior, porque é diferente, em primeiro lugar, mas traz com eles capacidades fantásticas. Eu entendo que eles fazem coisas que quando eu tinha a idade deles nem me passaria pela cabeça. Não tínhamos competências, não tínhamos skills. Não tínhamos ferramentas. Mas hoje têm. E sabem usá-las e são extremamente inovativos, são multitarefas, com múltiplos interesses e por isso eu continuo a dizer que por aí estamos muito bem. Eu acredito profundamente sempre nas novas gerações.”
O futuro: a comunicação entre microrganismos
A fronteira da investigação passa agora por entender o microbioma de forma coletiva. Nelson Lima explica que o desafio é compreender como diferentes reinos comunicam entre si, o que influencia desde a saúde humana até à criação de novos materiais de construção na engenharia civil sustentável.
“Neste momento, já tive um aluno de doutoramento a fazer algo que há uns anos seria impensável, que é como é que um fungo comunica com uma bactéria. E a bactéria comunica com um fungo, porque são reinos completamente distintos. E isso, para nós, é o passo que tem que ser dado. Tecnologicamente é desafiante, nós já vamos tendo tecnologia que nos ajuda a isso, mas o passo fundamental é como é que eles comunicam, como é que eles se articulam entre eles, como é que eles se articulam com uma planta, connosco, não individualmente, mas coletivamente e que reações ou que interações é que nós temos.”
O futuro é coletivo e microscópico
A eleição de Nelson Lima para a presidência da Federação Mundial não é apenas um reconhecimento individual, mas a validação de uma estratégia de décadas assente na credibilidade e na inovação. Entre a preservação secular de coleções históricas e a antecipação tecnológica de futuras pandemias, a liderança luso-minhota coloca Portugal no epicentro da diplomacia científica global.
Mais do que isolar e catalogar a vida microscópica, o desafio dos próximos anos passa por decifrar a complexa teia de comunicações que sustenta o planeta. Das entranhas do corpo humano aos novos materiais de construção sustentáveis, os microrganismos deixaram de ser vistos como entidades isoladas para serem compreendidos como a peça fundamental de um ecossistema global. Com o “atrevimento” que define a Micoteca da UMinho, a microbiologia reafirma-se assim como uma ferramenta de soberania, segurança e esperança para os grandes desafios do século XXI.
A entrevista completa de Nelson Lima ao UMinho I&D pode ser ouvida na íntegra em podcast.
