O paradoxo de Braga: Arcebispo fala em “oásis” vocacional, mas gere 551 paróquias com 200 padres

Em grande entrevista ao 'Campus Verbal' da RUM, o Arcebispo Primaz de Braga traça o retrato de uma diocese "viva e complexa", onde a falta de clero e a "humilhação" dos abusos se cruzam com o drama da solidão e o novo fôlego trazido pelos migrantes.
O Arcebispo Primaz de Braga reflete sobre a dimensão da diocese, cujo território serve cerca de um milhão de pessoas:

A caminho de completar quatro anos de Ministério Pastoral na Sé Primaz, D. José Cordeiro recusa viver dos “rendimentos do passado”. Em entrevista ao programa Campus Verbal da RUM, o Arcebispo Primaz analisa a complexidade de gerir a maior diocese do país, onde a tradição se cruza com os desafios da modernidade, da demografia e da ética.


O “Oásis” e a urgência da reconfiguração

Braga continua a ser o pulmão vocacional de Portugal e uma exceção no contexto europeu. No entanto, o Arcebispo alerta para a “máquina pesada” que é gerir o território com um número decrescente de párocos para a densidade de paróquias existentes.

“Felizmente, Braga ainda é um oásis no contexto português e até no contexto europeu. Somos a diocese que mais padres tem em Portugal. Isso não nos deve só criar honra ou orgulho, mas responsabilizar”, afirma o prelado.

Com cerca de 40 padres ordenados na última década, o problema é agora de distribuição logística. “Para as 551 paróquias nós temos 200 párocos, o que significa que alguns sacerdotes têm que assumir quatro, cinco ou mais”, explica D. José Cordeiro. A solução, garante, passa por uma reconfiguração pastoral que não prevê o fecho de igrejas, mas sim a criação de “unidades pastorais” onde os leigos e diáconos assumam um papel central.

D. José Cordeiro analisa a falta de clero para as 551 paróquias

O novo dinamismo trazido pelos migrantes

A demografia da fé em Braga está a mudar, especialmente nos centros urbanos. O Arcebispo destaca o “impulso novo” trazido pela comunidade migrante, com particular destaque para os brasileiros, que têm ocupado lugares de decisão na estrutura da Igreja e rejuvenescido as celebrações.

“A presença dos migrantes e de modo especial dos nossos irmãos e irmãs brasileiros trouxeram um dinamismo novo à igreja que peregrina em Braga. No Conselho Pastoral Arquidiocesano estão também dois brasileiros com uma presença ativa e consciente”, revela.

Para o Arcebispo, esta integração é uma resposta natural à hospitalidade cristã e uma forma de combater o inverno demográfico que se sente noutras zonas da arquidiocese.

O papel da comunidade brasileira na revitalização da Arquidiocese

Abusos Sexuais: “Tratar as pessoas como terra sagrada”

Sobre um dos temas mais negros da história recente da Igreja, D. José Cordeiro não hesita em utilizar palavras fortes, classificando o histórico de abusos como uma “humilhação” para todos os membros da instituição.

“É uma humilhação para todos, a começar por nós. Algo que nunca deveria ter acontecido na Igreja. Aqueles que são chamados a cuidar têm de tratar as pessoas como terra sagrada. Não pode haver nenhum abuso de que tipo seja, de poder, de consciência sexual, espiritual”, defende.

O foco atual, sublinha, está na consolidação de uma “cultura do cuidado” e na formação contínua de equipas interdisciplinares para garantir que a Igreja seja um lugar seguro.

Arcebispo defende cultura de cuidado e respeito absoluto pela pessoa

Eutanásia e o drama social da solidão

No campo dos temas fraturantes, D. José Cordeiro mantém uma posição de “defesa total da vida”, mas desvia o foco mediático da morte assistida para uma falha social urgente: o abandono dos idosos no Minho.

“Estou totalmente ao lado da vida, da sua conceção até à sua morte natural. Mas o que é preciso fazer é com que a sociedade crie condições para que as pessoas possam viver a sua vida até ao fim”, afirma.

O prelado alerta para os números alarmantes de isolamento na região: “Temos no território da Arquidiocese de Braga mais de duas mil pessoas idosas a viverem sozinhas. São dados da GNR. Algumas em situações muito complicadas”. Para o Arcebispo, o investimento deve ser feito em cuidados paliativos e não no “descarte” da velhice.

D. José Cordeiro alerta para os mais de dois mil idosos sozinhos no distrito

Património e Inteligência “Espiritual”

Com um vasto património histórico sob a sua alçada, D. José Cordeiro impõe uma gestão transparente, guiada por uma pergunta herdada do Cardeal Martini: “O que é que isto tem a ver com o Evangelho?”.

Para o futuro, o Arcebispo Primaz defende que a Igreja deve ser capaz de humanizar a tecnologia, sugerindo que o avanço da Inteligência Artificial deve ser acompanhado pelo desenvolvimento de uma “inteligência espiritual”. “Nós não nos podemos contentar apenas com o passado ou viver do passado. O passado é muito importante, mas não podemos viver apenas dos rendimentos do passado”, conclui.

A entrevista completa do Arcebispo Primaz de Braga ao Campus Verbal pode ser ouvida na íntegra em podcast.

c/Elsa Moura

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Ariana Azevedo
Ariana Azevedo

Jornalista na RUM

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Carolina Damas
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