UMinho marca passo histórico com o primeiro mestrado da história da Guiné-Bissau

A Universidade do Minho inscreveu o nome num marco histórico para a educação na Guiné-Bissau. Através da Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas (ELACH), a academia minhota coordena cientificamente o primeiro curso de mestrado de sempre a ser lecionado em território guineense. O projeto, focado na Língua Portuguesa, pretende inverter décadas de dependência externa na formação de quadros superiores e consolidar o sistema de ensino local.
Formar em “casa” para combater a fragilidade do sistema
Até agora, a progressão académica para o segundo ciclo na Guiné-Bissau exigia, quase invariavelmente, a vinda para Portugal. Em entrevista ao programa UMinho I&D, Micaela Ramon explicou que o novo mestrado, numa parceria com a Escola Superior de Educação Unidade de Tchico Té e o Instituto Camões, permite que os cidadãos guineenses se especializem sem os custos e as dificuldades inerentes à imigração.
“O objetivo deste mestrado é realmente proporcionar aos cidadãos guineenses a possibilidade de fazerem formação pós-graduada no seu país, sem terem que arrostar com todas as dificuldades inerentes à imigração e à vinda para um país estrangeiro. De facto, a Universidade do Minho já tem um longo historial de cooperação, não apenas com a Guiné-Bissau, mas com outros países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) também, mas muito particularmente com a Guiné-Bissau, tem um longo historial de cooperação, mas cooperação com estudantes a virem da Guiné-Bissau para Portugal.”
O desafio do Português Língua Não Materna (PLNM) em Portugal
A docente, que também dirige o mestrado em Português Língua Não Materna em Braga, alerta para a realidade atual das escolas portuguesas. Com o aumento de alunos estrangeiros, muitos professores sentem-se agora “desarmados” ao ensinar português a quem não tem o idioma como língua materna. Micaela Ramon defende que o sistema precisa de respostas mais sistemáticas e cientificamente validadas para evitar a frustração de docentes e alunos.
“Ensinar português como língua não materna carrega um conjunto de desafios muito diferentes daqueles que comporta o ato de o ensinar a quem tem o idioma como língua materna. Desde logo os processos psicolinguísticos são distintos, mas também as realidades culturais e as realidades dos padrões de escolarização que as pessoas trazem também não são tão homogéneas como aquelas que ocorrem quando os cidadãos são todos cidadãos de uma mesma nação.”
A Biblioteca Lusógrafa: a literatura como pilar da língua
Investigadora do Centro de Estudos Humanísticos, Micaela Ramon dedica-se a cruzar os estudos camonianos com o mapeamento das literaturas da CPLP. Na sua visão, a literatura é a matéria-prima essencial que confere prestígio e coesão ao português enquanto língua internacional e pluricêntrica.
“A literatura não é alguma coisa que esteja desligada da língua, pelo contrário, a literatura é uma arte, uma arte verbal e uma arte que se alimenta de uma língua natural. Portanto, o português é a matéria-prima, digamos assim, que escritores das mais diversas proveniências da Cplp utilizam para construir o seu acervo, aquilo que eu costumo chamar nos meus escritos, a biblioteca lusógrafa. E, portanto, essa é a ponte entre as duas áreas de investigação a que tenho vindo a dedicar a minha carreira.”
Sustentabilidade e o futuro
O projeto na Guiné-Bissau tem uma meta clara: a autonomia total. O plano prevê que, após três edições do curso, o corpo docente guineense, que está atualmente a ser apoiado em processos de doutoramento pela UMinho, assuma a regência plena do mestrado, garantindo que o país possa gerir o seu futuro académico de forma independente e robusta.
A entrevista completa de Micaela Ramon ao UMinho I&D está disponível em podcast.
