Danyil e Ruslan. Os jovens ucranianos que fugiram da guerra e que agora são colegas no Gil Vicente

Nasceram e cresceram na Ucrânia, mas foi em Portugal que se conheceram, através do futebol e do Gil Vicente. Danyil Slavov, de 19 anos, e Ruslan Cherviakov, que faz 18 no sábado, fugiram da guerra e encontraram no desporto uma forma de integração.
O dia 24 de fevereiro, quando se efetivou a invasão russa, fez soar os alarmes, com milhões de pessoas a quererem sair do país. Tudo parou, incluindo as competições de futebol. Danyil, que representava o Chornomorets Odessa, ainda esperou algum tempo, ficando “a treinar sozinho para manter a condição física”, até que se mudou para Portugal, aconselhado por um agente desportivo. Foi viver com uma família de acolhimento em Vila Nova de Famalicão, que entrou em contacto com o Gil Vicente para saber se o podia receber. E assim foi.
Em conversa com a RUM, no âmbito do Dia Mundial da Rádio, que se assinala esta segunda-feira e cujo tema é ‘Rádio e Paz’, conta que, antes de chegar, teve “a oportunidade de ler sobre o clube e conhecer o seu grande historial”.
O coordenador técnico da formação do Gil Vicente acompanhou o processo desde o início. Luís Ricardo explica que, assim que houve a interação, o emblema minhoto mostrou-se “recetivo a acolher o atleta, independentemente do desempenho”, numa lógica de “solidariedade”. “Treinou connosco e, apesar de no início ter sentido dificuldades, foi crescendo e rapidamente começou a ser uma mais valia”, destaca a evolução do atleta.
O processo de Ruslan foi diferente. Depois de sair do Ingulets, clube da região de Dnipro, tentou a sua sorte no Valência, de Espanha. Treinou à experiência, mas não ficou no plantel. Seguiu-se Portugal. Com a ajuda do seu agente, o nome do Gil Vicente surgiu na equação e o resultado foi positivo. “Eu conheci a história do clube ainda na Ucrânia e lá já gostava muito da liga portuguesa e via muitos jogos. Também passei a conhecer melhor o Gil Vicente por ter participado na Liga Conferência”, assinala.
A língua como barreira… para os adversários e o golo na baliza errada
A partir de pontos diferentes da Ucrânia, os dois atletas encontraram-se em Barcelos. Ruslan não esconde a felicidade por ter “um compatriota na mesma equipa”, alguém que o “consiga entender melhor”. A língua até acaba por ser uma vantagem, visto que “os adversários não percebem” e podem comunicar livremente.
Os dois jogadores já se estrearam a marcar pelo Gil Vicente. Dos três golos que apontou em 13 partidas para o Campeonato Nacional da 1ª Divisão de Juniores – Zona Norte, Ruslan, que atua como extremo, elege um. “Eu tive a oportunidade de marcar o golo da vitória aos 93 minutos frente ao FC Porto, fora de casa. Foi uma grande emoção, os meus colegas correram atrás de mim, a agradecerem e a festejarem. Foi uma felicidade enorme”, recorda o atleta, que também faturou diante do Anadia FC e do Boavista FC.
Jogando como lateral, Danyil também fez o gosto ao pé contra o clube do distrito de Aveiro, além de ter festejado um golo diante do Gondomar SC. No entanto, a relação com as balizas ‘começou com o pé direito’, não fosse ele esquerdino. “Tive o azar de fazer um autogolo frente ao Paços de Ferreira. Depois, contra o Anadia, tive a oportunidade de marcar golo na baliza correta. Foi muito especial e até o treinador me deu um abraço”, sorri.
Em dezembro, depois de 15 partidas nos sub-19 e de até ter sido convocado para os sub-23, o azar voltou a bater à porta de Danyil. Contraiu uma rotura de ligamentos, que o vai afastar dos relvados cerca de seis meses. Ainda assim, mantém o espírito positivo, agradecendo “as condições muito boas” proporcionadas pelo clube e aos colegas, treinadores e diretores, que estão “sempre preocupados” e a “perguntar se está tudo bem”.
O coordenador técnico da formação refere que ambos os atletas se “adaptaram bem ao estilo de jogo da equipa” e que até acrescentaram elementos diferenciadores. Luís Ricardo salienta que existe “uma cumplicidade especial entre o Danyil e o Ruslan dentro de campo, que é bonito ver de fora”.
Para já, Danyil e Ruslan não querem voltar para a Ucrânia
Passado quase um ano desde o início, a guerra continua. Tal como Ruslan, Danyil confessa que recebeu um contacto das forças militares da Ucrânia para se alistar. “Ligaram-me inclusivamente, mas eu disse que não”, revela.
O lateral esquerdo, que fala regularmente com a família – ficou na Ucrânia -, quer “voltar um dia”, mas, neste momento, o foco está na carreira desportiva e em permanecer “no resto da Europa”.
Já Ruslan, a viver numa residência do Gil Vicente, contou, numa primeira fase, com o apoio presencial da mãe, que entretanto regressou ao país de origem. Voltar está sempre no pensamento do atleta, mas, num futuro próximo, apenas de férias. “Estou a gostar de Portugal, quero continuar cá. Um dia até gostava de ter uma casa à beira mar”, confidencia.
