Piedade Dias: A idosa solitária que já deu colo a uma rua inteira

Nasceu em 1929 e nunca sonhou chegar aos 94 anos. Mas chegou, esta quinta-feira, dia 9 de fevereiro. Piedade Dias foi surpreendida, esta manhã, por uma equipa da Cruz Vermelha de Braga e por outra da autarquia.

Piedade nasceu em Vila Real, viveu a infância e adolescência num colégio de freiras e foi rejeitada pela mãe. Aos 19 anos, tornou-se ajudante de cozinha, passou a servir numa casa de lavradores e acabou a vender roupa porta a porta e nas feiras, lugar onde viria a encontrar o seu grande amor. A relação com Manuel Simões não foi aprovada pela sogra e, por isso, o casal fugiu para Braga, de onde nunca mais saiu. Casou em S.Vicente, onde ainda hoje mora e onde quer dar o último suspiro.

Manuel faleceu aos 26 anos. Piedade ficou com um filho para criar, mas acabou a dar colo a várias crianças, que eram abandonadas pelas mães e até aos filhos dos vizinhos.

Margarida Rodrigues é prova disso mesmo. Hoje, juntou-se às restantes pessoas para cantar os parabéns a Piedade, que considera “uma mãe”. “Foi sempre uma santa mulher. Qualquer coisa que acontecia, eu fugia para a Piedade. Foi sempre lutadora, não há palavras”, disse à RUM.

“A casa onde eu vivia tinha um corredor comprido e eu fazia farinha, que vinha do estrangeiro, e punha-os todos a comer”, lembrou esta idosa, com alma jovem.

Aos 94 anos, Piedade vive sozinha num quarto sem condições

Piedade vive sozinha num quarto sem condições, na Rua das Palhotas, onde já foi mordida por ratos, mas de onde não quer sair. Desde 2007, é apoiada pelo Serviço de Apoio ao Domicílio da Cruz Vermelha.

“A ligação com a família é pontual. Lutou muito, tinha uma casa, que cedeu à nora e aos netos”, explicou Sameiro Cardoso, coordenadora do serviço.

Todos os dias, incluindo feriados e fim de semana, uma equipa da Cruz Vermelha de Braga bate à porta da Dona Piedade para ajudá-la na higiene pessoal e da casa e levam todas as refeições do dia. Além disso, esta idosa dispõe de um serviço de teleassistência. Caso de precisar de ajuda médica, esta está à distância de um botão. “Temos um enfermeiro que vem cá a casa todas as semanas trazer a medicação, cortar as unhas, ver as pernas ou fazer um penso, bem como fazer o contacto com o centro de saúde”, acrescentou a coordenadora.

A Cruz Vermelha entregou a Piedade uma cama nova, para lhe dar mais conforto no pequeno quarto a que chama casa. “Temos muito cuidado com a higiene, porque já foram apanhados ratos. Não é o espaço ideal, mas ela já teve oportunidade para ir para uma vaga social, só que estas vagas podem calhar noutra freguesia ou concelho e ela não quer sair da zona onde sempre viveu. Enquanto ela estiver consciente e orientada ninguém a pode obrigar”, explicou Sameiro Cardoso.

A maior carência de Piedade é companhia

Neste momento, aquilo que mais lhe faz falta, diz a coordenadora, é companhia. Todas as terças à tarde, uma voluntária faz companhia a esta senhora, fazem jogos, passeiam um bocadinho e tomam um pingo. A rotina é sempre a mesma e, garante Sameiro, “isso dá-lhe anos de vida”. “Alguém que viesse jogar um jogo de tabuleiro, contar algo da cidade ou ler uma noticia fazia a dona Piedade feliz”, acrescentou.

Armando Osório aponta a necessidade de aumentar o número de voluntários, face ao número cada vez maior de pessoas a precisar de ajuda.

“Reuni, ontem, com a presidente da Associação Académica da Universidade do Minho e o pedido foi para tentar motivar a juventude universitária para ações como esta”, disse o presidente da delegação bracarense.

Para Armando Osório, “é um prazer apoiar as pessoas”. “Sentimos orgulho, porque o estado desta senhora deve-se, também, ao carinho que os técnicos lhe dão diariamente”, apontou. Segundo o responsável, o Serviço de Apoio Domiciliário atingiu o limite, havendo já pessoas em lista de espera.

A vereadora Carla Sepúlveda juntou-se à festa de aniversário improvisada à janela do quarto. A responsável autárquica explicou que a Câmara “está atenta e tudo o que estas pessoas precisam vão fazendo”. “Temos tido a preocupação de perceber se, nesta altura de frio, há alguma necessidade, mas ela tem tudo o que precisa”, referiu. Para Carla Sepúlveda, o momento foi “emocionante” e, por falar em emoção, quem não conteve as lágrimas foi Piedade Dias, que sem saber teve direito a festa de aniversário, com o seu doce preferido, a rabanada, a fazer-lhe o dia.

“São uns anjos do céu, se não fossem elas eu já estava debaixo da terra há muito”, desabafou.

Resta-lhe pouca família, nora, netos e bisnetos. Por isso, a solidão é a maior companhia que tem. Para passar o tempo, pinta e faz sopa de letras.

“Quem faz o bem, recebe o bem”, disse a idosa. “Estou muito feliz, nem estou em mim, não sei explicar como me sinto. Até vou sonhar, com semelhante alegria”…e dizem que o sonho comanda a vida. 

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Liliana Oliveira
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