É possível rastrear a Covid-19 e manter a privacidade?

O regresso gradual à normalidade após ultrapassado o primeiro pico da pandemia do novo coronavírus pode trazer desafios ainda maiores às populações do que os experienciados até agora. Depois da quarantena generalizada, o teste passa agora por tentar habitar o espaço público sem consequências tais que obriguem a um recuo das medidas de abertura.

Para atenuar a propagação da doença, estão a ser pensadas medidas de monitorização a doentes Covid em espaço público. Uma das quais passa pelo desenvolvimento de aplicações móveis que possibilitem o rastreio desses doentes, “facilitando o acompanhamento dos infectados e guiando os restantes cidadãos”, como descreve um documento da Comissão Europeia que defende a utilização de aplicações para telemóveis que “ajudem as autoridades de saúde a nível nacional e europeu a monitorizar e a mitigar a pandemia”.

A questão que tem marcado o debate público é sobre se as aplicações não colocam em causa a privacidade de cada cidadão. Nos Estados Unidos ou na China estão a ser criados sistemas nacionais de vigilância a pacientes Covid ou instaladas câmaras apontadas às portas das casas de infectados. Na Europa, o controlo não se quer tão drástico e intromissivo e a preservação do privacidade tem sido vista como obrigatória. 

Em Portugal, a aplicação que está a ser desenvolvida segue as recomendações da Comissão Europeia e funciona através da emissão de um sinal numérico para o utilizador. A aplicação, que não é de uso obrigatório, emite o sinal por bluetooth, tecnologia que salvaguarda, à partida, o anonimato.

Henrique Santos, professor na Escola de Engenharia da Universidade do Minho e presidente da Associação Portuguesa de Dados, explica à RUM que a aplicação deve estabelecer, acima de tudo, o direito à privacidade, um direito que, lembra, “depende de pessoa para pessoa”. 


Vamos supor que instalaria a aplicação mas, em certo momento do dia, entendia, por questões da minha privacidade, que a deveria desligar. Esse é um direito de privacidade que deve ser garantido de modo individual“, enfatiza.

Para garantir o anonimato e respectiva privacidade, a aplicação terá de funcionar através de bluetooth, considerado pouco fiável. O bluetooth pode ter configurações diferentes por utilizador e detectar, por exemplo, casos de pessoas que nem sequer estiveram em contacto físico (o bluetooth penetra paredes e pode reportar casos entre pessoas que vivam em apartamentos adjacentes).

“O bluetooth não foi feito para esta finalidade”, explica Henrique Santos, referindo que todas as deficiências associadas à tecnologia podem resultar numa “série de falsos positivos”, o que, associado à percentagem de 60% necessária para a aplicação funcionar, resultarão num “efeito negativo”.


Percebe-se a urgência em fazer um rastreio deste tipo mas, como em tudo, se a aplicação começa a ser mal aplicada começa a ter um efeito negativo e as pessoas deixam de acreditar. Algo que podia ter um papel positivo acaba por ter um efeito perverso“, alerta.


Antes do desenvolvimento de uma qualquer aplicação, o especialista apela à necessidade mais urgente de criar, no país, um “sistema de informação que permitisse ao Serviço Nacional de Saúde, através de parcerias com institutos públicos, ter uma base dados, tal como já existe para o ADN”.


O número de infectados em Portugal só é registado no SNS, nesta fase, para efeitos de interesse público e de investigação. A aplicação a ser criada implica, por isso, que todos coloquem voluntariamente se estão ou já estiveram infectados.

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Pedro Magalhães
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Carolina Damas
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