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Liliana Oliveira

Regional 30.10.2020 17H13

O cancro da mama pela voz de quem vive um dia de cada vez

Escrito por Liliana Oliveira
Assinala-se, esta sexta-feira, o Dia Nacional da Luta Contra o Cancro da Mama.
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Por cada vez que o planeta Terra gira sobre si próprio, morrem quatro mulheres vítimas de cancro da mama em Portugal. A taxa de mortalidade tem vindo a diminuir ao longo dos anos, mas, ainda assim, 1.500 mulheres não resistem à doença. Por ano, são detectados cerca de seis mil casos no país, o que equivale a 11 novos casos por dia. A doença não escolhe idades, condição social e económica ou sexo. Um por cento dos novos casos são rastreados em homens. 


A 30 de Outubro, assinala-se o Dia Nacional da Luta Contra o Cancro da Mama. 


Madalena Torres, Conceição Gomes e Hilário Sá foram confrontados com um diagnóstico da doença, que ainda hoje enfrentam. São diferentes versões, da mesma corrida contra o tempo. 



Hilário Sá, 50 anos, diagnosticado com cancro da mama em 2017


"É raro ver um homem a fazer o toque da mama, mas é importante"


Começamos por Hilário. Descobriu aos 47 anos que tinha cancro da mama. Pouco vulgar entre os homens, foi por acaso que detectou o nódulo. Durante a época de verão, reparou numa borbulha no peito e sentiu "um talo". 


"De um a seis, estava numa classificação de cinco. Era complicado". Foi operado, ficou sem peito, mas manteve-se, sempre, optimista. "Ainda estava no início, podia ser muito pior, porque nos homens não se consegue detectar tão facilmente. O meu tinha sete milímetros", descreveu .


Hilário não se impressionou com o facto de ser cancro da mama, mas admite que a palavra cancro ainda cria impacto.  "É raro ver um homem a fazer o toque da mama, mas é importante, assim como é importante ter atenção aos sinais que o corpo dá. Até me acontecer a mim não tinha noção", afirmou. 

Questionou-se, como acontece com muidos doentes, do porquê da vida o colocar perante uma batalha desta dimensão, mas acreditou sempre. "Estava toda a gente com esperança que ia correr bem e correu".


Descobriu a doença em Agosto de 2017 e foi operado no mês seguinte.  Durante um ano e meio de tratamentos, sujeitou-se a 15 sessões de quimioterapia, 25 de radioterapia e 18 sessões de anticorpos. O cabelo caiu, mas não lhe fez grande diferença. "O pior foram as sobrancelhas e as pestanas", desvendou. 

Os primeiros meses, admite, "foram difíceis, mas depois encaixa-se". "Há sempre alguém pior do que tu".


Quando se recebe o diagnóstico, revelou Hilário, é como se "alguém te decretasse que tens ali a morte e vai dizer-te o dia em breve". "Eu tive sempre com a ideia de que ainda nao era desta", sublinhou. 


Nos corredores do IPO conheceu apenas mais um homem com a sua doença, porque eles também trazem o amor ao peito.



Madalena Torres, 38 anos, diagnosticada com cancro da mama em 2018


"Ficar careca não foi uma coisa que me aborreceu. O meu filho também queria rapar, mas três carecas em casa não me parecia muito bem"


Dos três, Madalena é a mais nova. Agora com 38 anos, confirmou o diagnóstico em 2018, no dia de anos do filho mais velho. "Fazia cinco anos, estava na festa de anos da escola e eu fui soprar as velas com o diagnóstico do médico no carro. Ele todo feliz, e eu a pensar que no próximo ano já não o ia ver", descreveu. 


Este não foi o único acaso infeliz da história de Madalena. No dia do seu primeiro tratamento, em Março, a mãe deu entrada no hospital, de urgência, com uma situação de cancro disseminado. Faleceu, dois meses depois. Madalena manteve-se agarrada à vida. "Por momentos, achei que me ia acontecer a mesma coisa que aconteceu à minha mãe, de uma maneira ou de outra ia também. Fui acreditando, e acredito, que as coisas vão melhorando e temos que ter força para lidar com elas", afirmou.


O nódulo foi detectado depois de deixar de amamentar o filho mais novo, que tinha um ano na altura. "Quando ele mamava parecia que o peito não esvaziava, porque o tumor já era relativamente grande, já tinha quatro centímetros e meio", descreveu. "O mundo desaba".


No IPO, Madalena viu doentes com "posturas diferentes e os resultados", assegura, "efectivamente vêem-se".

Foi operada. Tirou parcialmente a mama. O cabelo começou a cair ao segundo tratamento. "Decidi que ia cortar o cabelo, já o usava relativamente curto e ficar careca não foi uma coisa que me aborreceu. O meu filho foi comigo e também queria rapar o cabelo. O pai achava boa ideia, mas eu não achei. Três carecas em casa não me parecia muito bem", brincou.  Ainda assim, confessa, "é doloroso qualquer situação em que vemos que o nosso organismo se está deteriorar". 


Depois da operação, as palavras do médico pareciam não fazer sentido: "está curada, não tem nada". "É uma sensação estranha". Durante este período, Madalena foi uma das doentes que recorreu ao apoio da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Além do apoio psicológico, tentou outras terapias, como acupuntura e reiki. "O reiki foi fabuloso para a minha cirurgia. Nunca pensei, mas entrei muito pacífica", recordou. 


"Há um desejo muito grande de acabar, mas sei que não acabou, porque pode voltar a acontecer", terminou Madalena, que lembra todos aqueles que lutam contra a doença:  "Não estamos sós". 


Passaram dois anos, mas é como se tivesse passado uma vida...e ela continua a passar.



Conceição Gomes, 52 anos, diagnosticada com cancro da mama em 2019


"Disseram-me que devia ser vigiada, mas, até 2019, nunca mais fiz ecografia nenhuma"


Conceição detectou uma anomalia na mama direita em 2019. Devido à idade, 51, fazia mamografias com mais regularidade. Tinha feito uma meses antes do banho onde pressentiu que algo não estava bem. O diagnóstico médico inicial apontava para stress. Conceição sabia que não e persistiu. O seu instinto estava certo. Era cancro da mama, em estágio três. 


"Fiz uma mamografia e disseram-me que não tinha acusado nada. Pouco tempo depois, ao tomar banho, percebi que tinha ali qualquer coisa. Foi uma corrida contra o tempo", disse.


Conceição já havia feito uma ecografia mamária em 2014, "que já tinha acusado alguma coisa".  "Disseram-me que devia ser vigiada, mas, até 2019, nunca mais fiz ecografia nenhuma", lamentou. 


No caminho, houve momentos em que Conceição perdeu a força, que lhe foi devolvida pela filha, Carina, e pela família que encontrou no IPO e que percebia o seu cansaço, por partilhar o mesmo barco. 

Conceição passou por 16 sessões de quimioterapia, 20 de radioterapia e uma operação. Perdeu o cabelo, mas manteve o peito e a esperança. "Tenho fé que não volte a aparecer", desejou.



Liga Portuguesa Contra o Cancro


"Não há só Covid, há o cancro.. que mata"


A delegaçação de Braga da Liga Portuguesa Contra o Cancro já ajudou 425 pessoas, desde 2014.  Destas, 41% eram doentes com cancro da mama. São raros os caos de reincidência da doença, mas acontecem sobretudo em mulheres jovens. 


Entre Março e Outubro, no Norte do país, não foram realizadas mamografias. O protocolo entre a Liga Portuguesa Contra o Cancro e a Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte foi, entretanto, assinado. 

Fátima Soeiro, coordenadora da delegação de Braga da Liga, teme que, devido também ao adiamento ou cancelamento de consultas, surjam mais casos e mais graves. "Temos medo que o número de situações que aparecem agora sejam já num estádio avançado". Estas, são, normalmente as situações que levam à morte do doente. 


Viver com cancro num mundo que enfrenta uma pandemia é uma luta diária. Conceição Gomes é a prova disso. Está isolada desde Fevereiro. Viu todas as consultas e exames cancelados. "O exame que fui fazer em Outubro estava marcado para Abril", adiantou. Por isso mesmo, Hilário não tem dúvidas: "Não gostava de ter tido o cancro nesta altura".


"Não há só Covid, há o cancro.. que mata", alertou Fátima Soeiro. A responsável lembra ainda que estes doentes "estão sem defesas o que significa que muito facilmente são os primeiros a ser infectados e a não resistir". 


À Liga chegam cada vez mais casos e de pessoas cada vez mais jovens. 

Durante a pandemia, o número de pedidos aumentou. A procura por consultas de psico-oncologia, que migraram para o online, cresceu "5% durante o confinamento". Para Hilário, este apoio foi uma ajuda para "entender a vida". 



O cancro em números 


Em Portugal, estima-se que uma em cada 11 mulheres venha a sofrer de cancro da mama. A doença é detectada em cerca de 60 homens por ano.  Este é o tipo de cancro mais comum entre as mulheres e corresponde à segunda causa de morte por cancro, no sexo feminino. 


Cerca de 95% dos casos que são diagnosticados precocemente têm possibilidade de recuperar completamente.

Um nódulo, modificação do tamanho ou da coloração da mama ou a textura mais enrugada são alguns dos sinais de alerta. Segundo os especialistas, a detecção precoce pode salvar vidas. Para isso, é aconselhável o autoexame da mama, a partir dos 20 anos. A partir dos 30 anos, todas as mulheres devem fazer a avaliação clínica da mama e a primeira mamografia deve ser realizada por volta dos 35 anos.


O movimento Outubro Rosa foi criado na década de 90, nos EUA, para consciencializar as pessoas para o cancro da mama e sensibilizá-las para a importância do diagnóstico precoce da doença, da adoção de estilos de vida saudáveis e do rastreio. 


O cancro da mama mata meio milhão de pessoas por ano em todo o mundo.

Hilário, Madalena e Conceição tiveram um final feliz, mas a luta ainda não acabou. Serão acompanhados por um período de pelo menos cinco anos. Estarmos atentos aos sinais do corpo é o primeiro passo para darmos vida dos dias. E, embora vivamos com a companhia de uma pandemia, não esqueçamos o amor ao peito.

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